quinta-feira, setembro 28, 2006

CONCERTO NAS ESTRELAS

Dedicado mais especial para AnaK e Babita.

Tem muito mais gente no espaço sideral e há muito mais tempo do que eu imaginava...

O "concerto nas estrelas" é uma idéia brilhante: saímos do meio dia ao sol, e como que abduzidos, entramos no escuro da cúpula do planetário, sob a projeção das estrelas, para vermos um show de música (boa). Detalhe: até o estacionamento é grátis (comentário foi mais forte do que eu).

Foi show de Elomar: baiano, sertanejo, arquiteto, com cultura geral extensa e profunda, com formação de violão clássico. Entre sua obra, consta algumas óperas com temática e vocabulário sertanejos. Senta no palco como se estivesse no quintal de casa, conversando mais que o "homem da cobra"(em pernambuquês). O show foi lindo: a autenticidade e a identidade cultural transbordando...

Quantas vezes eu não escutava Elomar em "cantoria" indefinidamente, no banco do carro, com os pés no "tabeliê" (painel), viajando nas "estampas eucalol", nas "sete cantigas para voar", nas margaridas...

Sob a projeção das constelações, dos signos do zodíaco, dos planetas, pude perceber que as asas de minha imaginação são atróficas diante dos astrônomos. Escolhe-se uma estrela vibrante, e será os olhos. E em torno do olho, a criatividade fertiliza o espaço sideral.

Que coisa linda a pessoa filosofar assim... Transformar sentimentos em arte. Projetar tristezas, sensações de impertinência, frustrações, conquistas e felicidades, em imagens perpetuadas no espaço sideral. Ou em músicas, que nos transportam pelo tempo, espaço, outros mundos, outras vidas.
Nenhum sentimento é inédito. Mas cada estréia é uma nova apresentação. ConSerto me nas estrelas, me sentindo integrada, apaixonada por Saturno e inundada de beleza, de todos os tipos e em várias dimensões...

DIÁRIO DE DONA DE CASA - parte 4 – o chuveiro

Texto com dedicatória especial para meu amigo Jam e minha tia Edna.

Estava tomando banho de manhã cedo, quando o chuveiro elétrico pipocou.

Danou-se: e agora?

Daqui que meu primo viesse consertar, eu já teria morrido de desgosto de tanto tomar banho frio.

Lembrava de minha avó dizendo: "precisa arrumar um homem para consertar isso", e minha tia Edna respondendo revoltada: "que homem, mamãe! Eu só preciso de homem para uma coisa. Concertar chuveiro eu sei!"

Fui trabalhar, lembrando da minha tia e da água fria nas minhas costas.

Pensando: sou uma mulher moderna, moro só, e ando declarando aos 4 ventos que sei trocar pneu de carro. No entanto, ao chegar no trabalho, solicitei os préstimos de Sandro, que me declarou claramente não ser o "tipo de homem que sabe trocar chuveiro".

Saí como sempre, fazendo uma "revisão fonoaudiográfica" (em carioquês: perguntando a geral) sobre como trocar chuveiros. Curiosamente, a informação mais detalhada, com preço e tudo o mais, veio de uma mulher.

Não satisfeita, liguei para meu amigo Jam. Para quem não o conhece, Jam é meu amigo músico que atualmente escala a fama sobre os degraus do F.U.R.T.O. Um cara altamente divertido, leve, com um sorriso praticamente baiano, que não bebe e não fuma, e é altamente prestativo. Ele montou a bicicleta de Maria - de onde eu brilhantemente conclui que ele saberia trocar chuveiro.

Ele responde: "Nêga, eu não sei não mas eu vou!".

Encontro Jam no lugar combinado, com aquele sorriso de sempre. Fomos conversando amenidades pelo trajeto, sobre a banda. Quando ele entra lá em casa, sóbrio, como sempre, diz: "que apartamento grande... organizado... luxuoso".

A partir de então, percebe-se que se trata de uma pessoa com a percepção da realidade deveras avariada, com um potencial incrível, segundo as estastísticas, para ser grande amigo meu por no mínimo 15 anos. O apartamento tem menos de 50m² e menos móveis que um monasterio franciscano.

Segundo passo: encantou-se com meu violão. Inevitável, é bem verdade. Meu violão é realmente uma delícia. O problema é que ele concluiu que íamos compor uma música: pegava o violão, iniciava o tal do "jeep" (esboço da melodia) adaptando sons vocais ao ritmo e contando com o talento que eu não tenho. Até um dado momento em que ele perdeu as esperanças e resolveu montar o chuveiro.

Leu o manual – que tinha 3 linhas. Ller manual é tarefa de homens. E fomos trocar o chuveiro. Então, estudamos a complexidade dos 3 fios. Desliga a luz, fecha o registro, sobe na cadeira lindinha, cromadinha (ai meu Deus, dentro de água). Jam está como medo de levar choque e adquire a tarefa de segurar a cadeira.

Enfim: descubro que o parafuso tem menos de 0,5cm e que, não obstante, caía como se, com a gravidade, pesasse 1 tonelada. Retiro o chuveiro. Desço, monto o chuveiro novo: corto fio, como o alicate do porteiro, desencapo, etc... toca o celular de Jam.

Então estou eu, me equilibrando em cima da cadeira pensa, com a cabeça encostada no box, tentando encaixar um parafuso de menos 0,5cm, no escuro, com saudade do meu pai (que,usando seu próprio vocabulario, trocaria com os pés nas costas). Escuto Jam no celular: "vamos marcar para gente fazer alguma coisa junto... tomar um suco, tomar uma limonada, tomar um banho..."

A partir de então, eu tinha que executar meu malabarismo morrendo de rir. Devo acrescentar que o parafuso caiu inúmeras vezes, e a cada vez, tínhamos que ligar tudo paraprocurar. Na hora que Jam achou que eu derrubava muito o parafuso, teve a oportunidade de constatar que tinha mais talento do que eu (em derrubá-lo).

Enfim, termina a operação: liga a água. Liga a energia. Água quente novamente! Voltamos sorridentes para o violão. E conseguimos, depois de vários Jeeps, fazer um esboço de música, que, no pernambuquês claro, seu eu me lembrar hoje, "eu xoxe".

Morais da história:

1- Estes homens modernos não são nada práticos, mas trocar chuveiro realmente é mais fácil que cozinhar, e mais ainda que fazer música.

2- Já posso ter saudade de papai por outra coisa.

3- Quem tem amigos, no mínimo, se diverte muito mais e o apoio moral é massa!beijos

III DIARIO DA DONA DE CASA
As novas desventuras de uma dona de casa
Para meus "correspondentes"...

Depois de conseguir errar o preparo da sopa de cebola de saquinho da maggi, eu tive a cara de pau de chamar minha prima Zezé para almoçar lá em casa.

Para quem não conhece Zezé, é uma prima minha de enésimo grau, mas é como se fosse "carnal". Muito divertida, extremamente sincera, ela é malcriada e diz tudo na cara. Uma das muitas qualidades dela, é gostar muito de mim, de forma tal que tudo o que eu faço, ou ela acha bom ou ela acha graça. E com este afeto inDEScriminado favoreceu minha ousadia de exposição. Na pior das hipóteses, ia passar o resto da vida tirando onda da minha cara.

A confiança (despreendimento ou coragem, como queiram) dela ao aceitar meu convite pesou sobre meus ombros. Fiz uma verdadeira "revisão audiográfica" - isso é para dizer que perguntei a todo mundo, com aquela cara de conteúdo, receitas de carne moída (realmente uma coisa muito difícil de executar), desde as cozinheiras mais rebuscadas (cara de pau não tem limite) às mais práticas.

O almoço, é claro, foi feito na hora. E tive a precaução de mantê-la com doses regulares de caipiroscas enquanto eu cozinhava. Ela na sala, arrumando as coisas e eu cozinhando. A primeira reclamação (conforme rege a lei da malcriação) foi que eu sou uma cozinheira muito barulhenta. Mas eu expliquei que houve um surto de labirintite nas panelas, pratos e talheres lá de casa... acho que a obra do prédio vizinho os afetou...

Depois ela perguntou porque eu estava rindo tanto. É que apesar de ter plena consciência que não sei cozinhar nada, eu ainda acho de "ter idéias" culinárias... contando ninguém acredita. Mas confessando, quem sabe...

Sujei todas as (cinco) panelas lá de casa – porque além delas serem "enormes", eu fiz comida para um batalhão achando que ia faltar (coisa de nordestino?). Enfim, o almoço estava pronto. Pus a mesa com um medo danado, e Zezé, coitada, com receio proporcional.

Pôs pouca comida no prato, desconfiada, como boi rumando para o abate. E, para surpresa coletiva, ela gostou. Tanto que repetiu 3 vezes... Conclusão: no reino da cara de pau, o melhor tempero é o álcool no copo alheio. Porque a fome, quando passa, a pessoa pára de comer e depois sai reclamando da (falta de) qualidade da comida. E o álcool não! Além das pessoas continuarem comendo e acharem bom, ainda tem a vantagem de amenizar os detalhes de sua atuação, mesmo que ela seja altamente perobal.

II diário de uma dona de casa – A Mudança - 07/12/2004

Continuo achando que crescer deveria ser um processo facultativo e reversível. É incomensurável a saudade que sinto da época em que minha parte nos problemas era apresentá-los, expô-los aos "resolutores", chorar por eles, e no máximo, numa segunda fase, reclamar que meu pai era um grosso depois do esporro que ele me dava quando resolvia tudo só...

Mudei de apartamento.

Apesar de Denise achar que minha cozinha inteira cabia numa caixa de sapatos, a caixa era um pouco maior! Aqui no Rio, mudança pequena sem faz em Kombi. O problema é que toda vez que eu falava kombeiro, entendiam bombeiro (que aqui é encanador), e ninguém entendia nada. Aqui é Kombi a frete!

Recomendaram um de confiança, que não dava problema – não dava problema porque também não dava nada. Não apareceu nas duas vezes que marcou. Enfim, arrumei outro que parecia que tinha acabado de sair da garrafa de montila. O prazo para chegar com a mudança era ate 5 horas. Mas eu só consegui sair com a mudança faltando 10 minutos para tê-la terminado no outro apartamento. Chegando atrasada, dei de cara com o síndico. Então, tive que arrumar argumentos altamente perobais – que, com a graça de Deus foram aceitos.

A geladeira é um capítulo a parte. A princípio, eu achei que ia ser muito rápida (praticamente no mesmo bairro) e resolvi deixar ligada para não descongelar durante o transporte e não estragar "toda" a comida (dois pacotes de nuggets e um requeijão). Logo em seguida, tive a brilhante idéia de colocar tudo dentro da geladeira para não ficar embalando – todas as panelas, talheres, tudo o que era de plástico, etc...

Antes que se completasse uma desgraça com a minha companheira geladeira, Denise passou em casa para checar quantas besteiras eu já tinha feito.

Quando eu cheguei, o mal já estava solucionado. Quando cheguei no apartamento novo, vi um lugar que cabia perfeitamente minha geladeira. Só tinha uma torneirinha que eu fatalmente não usaria nunca. Mandei o piratão botar a geladeira lá. Quando a super Denise chegou para passar revista, me avisou que aquela torneirinha inútil era a saída de gás.

Depois, eu liguei a geladeira, e como ela acendeu, sai crente que estava ligada. Ficou acesinha, e quentinha, parecendo um abajur... com todos os alimentos "perecidos" dentro!

Depois de todo mundo se posicionar contra a minha disponibilidade de enfrentar o caranguejo que mora no meu bolso e pagar para alguém arrumar aquela mudança, tive que ir arrumar meus livros e roupas, e ainda pagar a faxineira para ir lá depois. Com esta mudança, minha mão está uma chaga só, ainda mais agora que descobri que o caranguejo que me massacrou amigou-se com um escorpião... terrível.

Meu primo, sangue do meu sangue, foi lá em casa chumbar o guarda-roupas de aramado na parede e esqueceu a furadeira!

Naquele turbilhão de contratempos, lembrava dos argumentos de minhas amigas: casar com um marido milionário, tirar na mega-sena sozinha... mas os meus pensamentos sempre confluíam para o clássico: "eu quero a minha mãe", e todas as imagens do meu tapete voador entrando pela janela e levando tudo – geladeira, etc. sem precisar nem de elevador!

Daí me deu um misto de tristeza e alegria: tristeza de continuar despida de praticidade até nos sonhos. E alegria porque a primeira coisa que encontrei em minha casa eviscerada (leia-se: com as tripas de fora – para os ouvintes do bandeira 2, leitores da folha de Pernambuco e expectadores de cardinor) fui eu mesma!

Mas o apartamento é ótimo: claro e arejado, pequeno mas sobrando espaço para mim, uma liliputiana com poucos móveis, e perto de cinemas, metrô, livrarias, do morro da Urca, e de vários shoppings (para as minhas visitas prometidas do ano que vem).

Dizem que me mudei para morar mais perto da casa de Philipe (Pinel) amigo do Ulisses (Pernambucano) . É sempre bom morar perto dos amigos, já que estou longe de vocês...

CAMINHOS E DESEJOS - 31/03/2006


O desejo é uma lente colorida pela qual se rever a vida. É a mola propulsora do mundo. Através deles, se constrói pontes onde antes se achava intransponível, se cria soluções para o insolúvel e ultrapassa obstáculos. O desejo é transforma um ser num sujeito.

A perseguição dos desejos é mãe das grandes invenções e descobertas e âncora das grandes estagnações. Há muitas qualidades de desejos: os que emanam da essência mais íntima, os que herdamos da história, os que incorporamos do meio, uns polimórficos, outros monotemáticos. E assim, o homem é aquilo que deseja.

Alexandre, o Grande, rei da antiga Macedônia, desejou morrer cedo e coberto de glória. E concluiu que nossa maior solidão é quando estamos sós com nossos mitos e tabus.

Hoje, pensando nos desejos e seus frutos, me deparo com o cartaz de convocação: "greve dos residentes por aumento de salário". Eu, particularmente, costumo declarar aos quatro ventos, que o residente é o médico mais barato: faz concurso público para ganhar 1.400 contos, para trabalhar em torno de 60 horas semanais (freqüentemente mais), incluindo de 12 a 24 horas de plantão, para trabalhar por si mesmo e pelos preceptores, e na maoria das vezes, tem a supervisão do acaso e reza pela proteção dos céus. Além disso, quem paga é o MEC.

Suprimo as demais considerações, já por tantas vezes expostas das condições de trabalho da saúde no Brasil e do processo de mercantilização da medicina, atualmente até abrindo "lojas" em shoppings. Mas não posso deixar de me lembrar da paralisação da qual fiz parte na minha primeira residência por "melhores condições de trabalho", onde nosso silêncio e nossa dignidade foram pagos com 200 reais. Pelo menos, desta vez, apesar das "condições" não mudarem nada, estão sendo mais explícitos.

Acredito que a desvalorização do salário é estandarte de uma desvalorização profissional. No entanto, quando os dados da OMS relatam que são gastos 8 bilhões com educação, 13 bilhões com saúde, e, paralelamente, 200 bilhões com narcóticos e 400 bilhões com "intervenções militares", há um clamor pungente em minha alma.

Nossa má remuneração é mais um dos sintomas da desvalorização do indivíduo, que precisa de saúde, educação, formação, segurança e, mais do que tudo, respeito.

Pergunto-me sinceramente qual é a cor da lente dos desejos que estamos usando para ver o mundo?

Lembro do gato do País das Maravilhas, quando Alice perguntava aonde daria aquele caminho: "para onde você quer ir? Porque para quem não sabe onde quer ir, qualquer caminho é o caminho". Complementa o filósofo que não há caminhos: ao caminhar, estes são feitos. Pergunto-me: aonde estamos indo? Dá-me a impressão de estarmos vendo o mundo através de um buraco de fechadura...

INTOXICADOS DE REALIDADE
por: Hermengarda Batista

"Este caminho que eu mesmo escolhi é tão fácil seguir por não ter onde ir" (Raul Seixas)
Na minha rua, mora uma "comunidade" de mendigos. Todos os dias, realizam todas as atividades diárias, à expectação do público. Tem uma família, uma mulher grávida, o pai "de agora", dois filhos, e mais um gestando. E na outra esquina, moram 3 homens. Inclusive um deles, nos dias de chuva, monta uma barraca de "camping". E todos criam cachorros. Inclusive o menininho mais velho tem um filhotinho preto. Todos com suas respectivas coleiras.
Então outro dia destes, vendo a comunidade canina aumentar, fiquei pensando: o que leva um mendigo a criar um cachorro amarrado na coleira?

A globalização muda os valores e massifica o sujeito. A individualidade passa a ser uma tela, onde se projetam valores e identidades mercantilizadas, vendidas como sendo próprias ou adequadas. A geração televisiva tem uma relação diferente com o mundo e com os sonhos, com o tempo, com o descartável. A intimidade com a tela muitas vezes é maior do que com a própria família.
Mas naquela "comunidade" não tem nenhuma tela: TV ou computador, ou qualquer outra manifestação de projeção de uma realidade virtual. Mas isso já está impregnado... Diariamente eu assisti antes de acreditar que aquela realidade, praticamente cinematográfica, não era uma projeção de minha fantasia.

Lembrei de uma conversa com um amigo, falando em seu pai: ganhava "x", e trabalhava "x", e com este "x", tinha uma casa própria e uma casa de praia, criou 5 filhos, tinha dois carros, numa época em que as pessoas não costumavam ter carro, e ele estudou em colégio público, porque eram melhor que os "privados".

E hoje, ele ganhava "x/2" para trabalhar "2x". E que eu ganharia "x/4" para trabalhar "4x", e quando eu pedisse demissão, pelas condições de trabalho ou pelo salário, teria uma fila, fazendo fila para trabalhar "8x" por "x/8".

Então eu me vejo, trabalhando em condições "privadas", ganhando mal como todo mundo, para me organizar e começar a pagar um carro "mil" em 36 prestações e um apartamento de um quarto em 60 prestações.

Eu sempre escutei que ideologia não enche barriga de ninguém. Mas entendo que este tipo de realidade esvazia progressivamente o prato. Quantos "cachorros de mendigo" temos criado?

MEU PÃO, MINHA FORTALEZA - 22/02/2006

O otimismo de uma pessoa é responsável por coisas boas e ruins – e pela insistência!

Bom, estava eu, sem comida e com preguiça, chegando em casa as 5 horas da tarde, para sair as 6 horas, para aula, que terminaria às 10h.

Tinha em casa farinha de trigo integral e fermendo de pão, comprado por ocasião da proposta de fazermos pão no "cafezão" da casa de Sblen e Marcinha – para quem não conhece, são as pessoas que tomam conta dos urubus de Hermezita quando nós viajamos.

Como cara de pau não foi feito para dar cupim, resolvi estrear fazendo a receita de pão da minha prima (reconhecidamente maravilhoso), que eu já sabia a teoria de cor, com algumas adaptações, é claro... Imagine eu sem minhas adaptações!?

Peguei a farinha de trigo integral, suprimi a farinha branca – receita completamente saudável... Sal... fermento bem diluidinho na água morna – episodio de paciência "culináriaca" inédita...
Mas: cadê o azeite? O único disponível era o azeite dos restos mortais do tomate seco, que eu tinha posto para curtir. Nossa, só de pensar eu já salivava... Azeite, curtido com manjericão, orégano, com gostinho de tomate... Tinha muito pouco: mas era mais que um pouco do que eu precisava. Precisava apenas meia xícara...

Seguindo minha vasta experiência cozinhando, e especialmente fazendo pão, fui fazendo a massa, empolgadíssima. Mas ela não pegava cara de pão. Fui colocando farinha até ela soltar da mão. E nada. Quem sabe o tempo...

Fui para a aula e deixei a minha estréia curtindo... cheirosa como quê. Mas eu já suspeitava que algo estava errado.

Cheguei em casa, tudo cheirando à massa. Fiz uns pequenos pãesinhos. Coloquei no forno quente... nossa... chazinho gelado de maçã com canela para combinar com meu "paladar pervertido". Cheiroso estava, gostoso também. Mas não era exatamente um pão: mas uma fortaleza. Quase dava para chupar o pão.

Como sou "indesistível", segundo meu amigo vilão, não desisti.

Mesmo porque o otimismo e a vasta experiência panificadora me fizeram fazer um quilo de massa de pão. E a pirangagem não permite deixar um quilo de massa assim... Dilui um pouco mais de fermento, e crente que era um jardim, reguei minha massa. Dei uma amassada a mais, ela ficou linda e cheirosa. Deixei curtindo até o dia seguinte.

Assei mais 3 de manhã, para tomar café... O pão estava menos sólido. Mas longe de ser macio. Posteriormente, fui informada que há dois problemas: aziete deixa o pão duro e pão sem farinha branca nunca fica tão leve, e ai você tem que dar muitas "pisas" na massa...

Como eu sou uma pessoa pacífica e ocupada: fica para a próxima...
Gosto de pensar que, pelo menos se Hermezita cansar da garrafa, já sei até construir uma fortaleza para ela morar...

Quem é mesmo Hermengarda... - 10/02/2006

O ser humano é um ser curioso em todos os sentidos. E assim, andam curiando a minha vida. Para evitar dados conflitantes e fantasiosos, esclarecerei as dúvidas em questão: eu sou fruto da conjunção astral de minha mãe com meu pai.

Minha mãe chama-se Madame Soraya. É uma mulher linda e cheia de graça e joga cartas ciganas. Promove a criatividade a partir de uma imagem pontual, ludicamente teatral. No carnaval, se veste de azul bilu - daí herdei minha cor. Por parte dela, tenho muitos irmãos: uns com pêlo e outros despelados. Todos com mais influência filial que eu.

Meu pai é Romualdo, mais conhecido como Inexorável vilão. As incongruências paternas começam a partir dele ser um vilão politicamente correto. Sempre fiz muitas trilhas entre as ruínas, fantasias e solidões com meu pai. Imagine um vilão que mora em Piedade!? Piedade é lá habitat de vilão! A hipótese mais plausível e crível é que ele more mesmo na lua.

Eu divido apartamento com uma louca branca chamada Dani. Eu divido outras coisas com ela também. A coitada é tão louca que é médica. Disseram que era profissão boa para não morrer de fome e sem emprego. Deve ser porque antes de morrer de fome, se morre de raiva.

Na realidade, neste apartamento, eu moro mesmo debaixo d´água numa garrafa, verde, de cerâmica, modelo "Jeanine é um gênio", feita especialmente para mim. Lá eu tenho meu cachorrão, mix de Tim Maia. Mas os meus 8 urubus ficam fora da garrafa. Às vezes, recebo até algumas visitas anfíbias dentro da garrafa. Mas em geral, eu saio para ver meus amigos.

É verdade que eu ando de tapete mesmo: puxado por oito garbosos urubus. Mas há dois meses, ganhei um mini tapete individual para ir trabalhar. Este bastam 2 urubus. Tambem ando nas costas de Tim ou diretamente urubuzada. Já me disseram que se eu entro em garrafa de champagne, vou para casa de meu pai como de foguete, na tampa.

Eu queria ser trapezista. Mas o corpo que me coube o uso tem os dois ombros bichados. Então vou ser jornalista: jornalista sideral, que é profissão de boêmio e viajante remunerado.

Pariram minha filha.... - 27/12/2006

Tem uns quatro anos atrás, que me disseram que minha filha estava na televisão. Era a "nova Emilia" da re-edição do velho sítio do pica-pau amarelo. Mamãe prontamente reconheceu o DNA sideral e eu fiquei muito feliz da vida com minha filha inventiva e colorida, com faixa na cabeça, pó de pirimpimpim, morando num mundo encantado.

Eis que me acontece uma coisa surreal: fui numa casa construída em cima de muitas arvores. Este foi sonho de moradia sideral. E morando na casa, advinha? Uma menina, de cara redonda de lua, com sorriso nos olhos, vestido comprido florido e botas tipo "7 leguas" vermelhas – praticamente eu na idade dela.

Criou logo intimidade com "Hevengarda Batista", desde o começo, ciente da necessidade de um certo sigilo a este respeito diante dos terráqueos normais. Viu muitas vezes a fumaça que antecipa sua chegada, procurou seus urubus e discutiu a respeito de seu cachorro preto. Bateu palminhas com as luvas coloridas convidando secretamente: "vamos esperar Hevemgarda Batista chegar..."

Inteligente e sagaz, pescava a fantasia no meio das brincadeiras. Com perguntas surreias e respostas siderais, participava ativamente de todos os temas propostos. Com incrível intimidade, começou a chamar meu violão de Chiquinho e meu carro de Joãozinho. Morava numa casa em cima de muitas arvores (minha proposta de moradia sideral) e tem uma espécie de "vovo benta" natureba, que cria patinhos e frutas no pomar.

De repente, enxerguei a mais pura realidade: minha Emilia estava ali, parida, em plena crosta terrestre! Como já dizia Zé Ramalho, "cobiçam ate a planície dos sonhos"... agora só me falta mesmo parir a Cuca!

EU VOU ABRIR UM SALÃO - 31/12/2005

Por "solicitação materna", fui fazer o curso de acupuntura estética.

O "workshop" foi realmente muito bom: abordou eletroacupuntura, fitoterapia, as síndromes de acupuntura e as queixas estéticas na visão da medicina chinesa. E para minha surpresa, realmente funciona. Mas era supostamente exigido que se tivesse experiência em acupuntura.

Desconheço os "critérios de seleção" usados, mas o fato é que éramos 6 médicos, 1 fisioterapeuta e 6 esteticistas. Foi indiscutivelmente hilário: eu, em meio às esteticistas, que, para expor seus conhecimentos, discutiam a toda hora os equipamentos de estética, cremes e explicavam, nas suas idéias e com seus vocabulários, nem sempre harmônicos com a gramática e ortografia, como por exemplo, "o pós operatório da cirurgia prástica". Explicavam tudo com muita propriedade, inclusive à Edilma, que é dermatologista.

Eram todas muito mais paramentadas que nós, médicos. Compraram todos os equipamentos, agulhas, cremes. Tudo o que foi sugerido, além, óbvio, do que foi recomendado.

Na hora da prática, Edilma, com o bom humor de sempre, aplicando em mim as agulhas, começou a brincar com Juli: "vou abrir um salão... este negócio de consultório dá mais dor de cabeça que dinheiro... o negócio agora é salão". E Juli arremata comentando que um amigo dela estava namorando uma mulher, dona de um salão, e que ganhava muito mais que a gente (provavelmente que "a gente junto").

Hoje, fui almoçar com Soraya. Voltando pela rua de minha casa, nesta tarde dourada, da cidade do Recife, venho olhando o mundo. De repente, vejo algumas pessoas de bata (jaleco). Eram daqueles modelos longos, na altura do joelho, acintado, com manga compridas – bem formal. Observo bem: são três mulheres, duas na calçada, uma mais à porta. Coisa estranha...

Era um salão.

Evidentemente, além de trabalharem formalmente com roupas dos profissionais de saúde, alegam que dominam as técnicas de esterilização. Não me estranha que se achem habilitadas para, depois de um workshop, saírem agulhando caras e corpos, sem mínima noção de anatomia, vascularização, nervos... conceitos completamente démodé.

No entanto, se as clínicas de estética vivem cheias – apesar da crise e da falta de dinheiro – os salões vivem mais ainda, desde os mais vagabundos e sobretudo os mais chiques. A fidelidade e a satisfação das pessoas com seus cabeleireiros é realmente muito mais freqüente que com os seus médicos.

Considerando que já fiz 30 anos, e a minha ideologia já se deparou com as contas a pagar, eu quero frisar bem: isso não é um protesto, fadado ao fracasso e falta de eco. Isso é uma tentativa de modernização de conceitos: quero anunciar que eu vou abrir um salão.

PRISIONEIRA DA FUMAÇA - 26/12/2005
Por: Hermengarda Batista


Acordo de manhã triste: mas sem saber porquê. Isso todo mundo aceita. E ainda me falam de alguém que vive triste. É assim mesmo. A morte e os sofrimentos são inevitáveis.

Mas se estou feliz de manhã: aí tem que ter algum motivo.

Ninguém pode ser feliz à toa. Crônica ou agudamente que seja: tem explicação. Ou então, você é maníaco, ingênuo, iludido... O importante é que a sua felicidade um dia vai acabar.

Vou subindo o Costão olhando a pedra. Prendo o olhar só no caminho. Olhar a paisagem me assusta: ver que estou no alto! Mais um lance, e me pergunto: o que eu vim fazer aqui, com tanta coisa mais fácil. À medida que eu subo, fico pensando como vou descer quando chegar... Lá, no alto, bem lindo, cansada, eu posso pensar: agora como eu vou descer...

Fico com medo destas conquistas, da sensação de liberdade, do que faria sem o julgo, o crivo das certezas impostas, herdadas, aceitas.

O que eu faria sem os referenciais? Tenho medo do que vai na minha essência. Do que seria liberdade. Do que seria experimentar o novo, o que me causa medo, o que seria perder o controle e seguir os passos, passo a passo, seguir o rumo, em busca do prazer de subir, de chegar, da beleza da imensidão do espaço, que não é sideral mas é lindo.

Quando eu vejo que meu pensamento não é tão único: tomo um susto. Parece que todo mundo pensa algum tipo de maluquice desta. E, a seu modo, todo mundo age assim. Às vezes, a gente se mantém embaixo, sob mil explicações, mil justificativas: que elas antecedam e previnam a alegria.

Assim entendendo, cada medo que passo diante dos passos que conquisto, cada conquista retrocedo um pouco. E daqui há pouco, chego ao antes de ter começado. A exposição de tentar ser feliz dá tanto medo...

O que faço com os rótulos e os modelos de sempre? Parece que veio no meu código genético, inscrito nele, o mito da caverna de Platão. Vou criando mecanismos, de todas as eficiências, para me manter na caverna.
Se eu ousar sair da caverna e enfrentar meu medo, será que não vou virar fumaça?

VI diário de dona de casa – 30 anos - 09/12/2005

Em Santa Teresa, Anak, minha promoter, sugeriu que fizéssemos um "mega evento" no recinto em que moro, para comemorar meus 30 anos. Eu pronta e irresponsavelmente aceitei o desafio: ver quantas pessoas realmente cabiam la em casa. Plagiando Candice, seria a festa da almofada: cada um levasse a sua para sentar!

Eu comemoro 30 anos e Hermengarda, uns 9 ou 10 – na terça. Mas em virtude das contingências sociais e laborativas: a festa seria no domingo, à tardinha.

Na sexta, a única coisa que tinha preparada era a intenção de arrumar a casa, contando com a participação dos seres mágicos da floresta. No sábado, depois do churrasco do clube, saímos eu e minha promoter, para fazer as compras da festa – nada mais antecipado que isso, diante de um megaevento. E como tinha tempo demais ainda, resolvemos ir ao cinema, juntamente com o organizador e faxineiro de plantão: uma vida iluminada.

Eu guardava intimamente a curiosidade científica: verificar se os siderais respiram mesmo oxigênio e se respeitam as leis da física de Isaac Newton.

30 anos, merece muitas homeangens: comprei cachaça, em homenagem a Sandra, vodka smirnoff em homenagem a mamãe, copo descartável em homenagem a vovó Élvia e chamei um monte de pessoas "fora dos padrões" em homenagem a mim e a Hermezita.

Assim sendo, no dia seguinte, fui preparar caipinha e descobri q tinha comprado 3 saquinhos diferentes: abacaxi, tangerina e pêssego. Na falta de tempo para solucionar o problema dos saquinhos já dissolvidos e misturados na cachaça, criei a batida de "frutas amarelas". E como o leite condensado foi talhado pela cachaça, as pessoas beberam sem ver e nem saber ao certo o que tinha ali. Meus amigos são realmente pessoas destemidas...

AnaK fez uma tabua de frios numa bandeja de inox, Babita trouxe guacamole e achou, por obra e graça do divino, um bolo sem chocolate. Leozinho trouxe o isopor para botar as cervejas e mollica trouxe o gelo que não cabia em canto nenhum da geladeira enorme – proporcional a dona e ao apartamento.

Hermengarda ganhou uma garrafa de cerâmica verde, modelo "Jeanine é um gênio", para morar debaixo d´água. Mas participou ativamente da festa, e todo mundo quis usar seu óculos azul anos 80. E quem bebeu água, foi da garrafa dela!

Enfim: dos 25 convidados, foram 23, com a participação internacional de Ta Chao, made in China, que se identificou na portaria como chinês, na incompreensão total por parte do porteiro de que nome era aquele. O Darren, a outra participação internacional, não pode comparecer por motivos de trabalho.

A galera de dividiu em dois grupos de 10 e 13 pessoas, por livre demanda (para provar que Deus é mais organizado que eu). Ninguém trouxe almofada, mas coube todo mundo, e sobrou bebida e comida.

E eu me divertir loucamente. Minha festa é a prova de que tudo no mundo dá problema, que aumentam com o tempo e a magnitude dos eventos. Mas nem todos encontram a graça da procura das alternativas.

Estou em Recife para comemorar meu aniversário junto com meu amigo Jesus cristo com uma "vida dupla" unificada. Tenho 3 mães, um pai e mais dois pais acessórios, 4 irmãos (3 pré-preparados e um em miniatura) e uma irmã fantástica, prova viva de que as pessoas se superam e mudam com o tempo, um cunhado que vai casar magro, e grandes tesouros, em forma de amigos, cada um com sua cor e brilho, com seu preciosidade.

Chego aos 30 anos com a sensação de que estou seguindo o meu caminho, sempre bem acompanhada de pessoas fantásticas, que são as alternativas de todas as minhas encruzilhadas e das horas de graça. Acordei com a manhã azul e um pôr de sol alaranjado. Muito apaixonada! Sempre tenho medo ainda, mas tenho a impressão de que cada passo torna o caminho mais fácil!

Muito obrigada pela participação sempre especial de cada um de vocês na minha vida!

ANIVERSÁRIO DE VILÃO

Homenagem de Dani ao pai de Hermengarda, de "feliz aniversário".
Termos de vilão foram grafados aspeados.

Apresento à colônia sideral o meu querido vilão.

O grande e inexorável vilão é uma entidade humanizada anterior ao "sideral". Sua origem desconsidera à formação do mundo dividido em sólidas fronteiras entre o bem e o mal, o certo e o errado, o vivo e o adormecido.

Enquanto a colônia faz dez anos, o vilão completa "meio século e um ano". Há quase dez anos, surgiu o vilão, insituindo um universo paralelo, de bruxas, anjos e vilões, politicamente correto, decididamente controverso. Ensinava como trafegar, equilibrando-se nas ruínas do mundo novo, brincando de viver, entre as reclamações das bruxas, o delírio dos anjos: sob o domínio do vilão.

Atemporal aos prazos, alheio às convenções, o vilão discutia as instituições, sob as vistas do mosteiro. Eu, sentada na grade da janela, via, em palavras vivas, a construção histórica das entidades sociais. Tudo para eu adequar-me melhor a elas, enquanto ele mesmo insiste, sempre, em passar ao largo.

As veias da garganta sempre "falam" mais alto que a voz rouca. Sem abrir mão de seus argumentos, nem concorda nem discorda, apenas deliberadamente entrega-se ao gozo da dialética. Ou cála, enquanto nos guia pelos caminhos tortuosos de seus "jardins" seculares. Boné na cabeça, cigarro na boca, tênis no pé, com patrocínio do seu daltonismo, combina surrealmente as estampas e cores. Eu seguia o vilão, enquanto ele desarrumava e dissolvia as minhas certezas sólidas.

Autonomia: explica a etmologia, a função, a disparidade do real.Filosofia: mil formas. Figuras de referências, todas explicadas e desmistificadas. Andamos pelas ladeiras de Olinda, com Garcia Marques. Experimentar licor de graça, ficar os dois bêbados e pagar o café.

Quem conhece, sabe. Meu vilão tão único, enxerga a pluridimensionalidade do mundo e "das tantas marcas de gentes" que moram nele. Aliás, mora neste mundo por acaso. É claro que o vilão também não é sideral! Imagina se ele tem algum conceito fixo em algum lugar comum...
Inexorável, polipresente, mesmo lá de longe, fica aqui sentando, com uma perna da calça maior que a outra, de ropão e chapéu, meias brancas e havaianas, com aqueles mesmos óculos, aquele sorriso de vilão, conversando bem aqui "no meu perto".

V diário da dona de casa – O Cotovelódromo


Quando cheguei de Recife, tive a impressão que minha casa tinha virado um "cotovelódromo"... então, por solicitação de um "roente" conhecido, foi convocado mais um evento lá em casa: reuñião do corpo editorial do correio sideral.

O cardápio seria o tão prometido peixe do Dr. Mollica. Ainda na sexta, liguei para no nosso gourmet para acertar detalhes práticos, ao que me respondeu que eu ficasse tranqüila que ele providenciaria tudo. Só precisava que eu arrumasse 3 panelas grandes.

O quinto evento deveria seguir os padrões praticamente militares da "general severiano, 180": a galera levando as coisas que falta (mas agora já tem saca-rolhas, doado à instituição por Anak!), o varal armado, a dona de casa solubilizada em álcool, ancorada no violão, sem saber direito onde está nada...

Sexta, limpei a casa toda. Mas não tive coragem de desarmar o varal, só porque ele estava vazio... sempre dá para pendurar uma toalha e manter o folclore! O evento foi marcado às 2h da tarde.

Cheguei 1h, com a primeira panela (da Zezé) e a "louça" e talheres importados do apartamento da esquina (Sblen e Marcinha). Anak chegou as 2h,com a segunda panela e cervejas.

Pouco depois, chega o primeiro doido, que, após constatar que a casa estava "cheia de ninguém", aproveitou o ensejo para comunicar, veemente, que passou pelo espelho e viu que a própria bunda tinha aumentado de tamanho (por obra e graça do espírito doido, suponho eu). E fez inúmeras tentativas (vãs) de que nós constatássemos tal milagre.

Às 3 horas, nosso gourmet, até então incomunicável, resolveu entrar no ar. Ligou, pedindo que comprássemos o peixe. Ana considerou que, juntando a nossa inabilidade de escolher peixe com a obrigatoriedade de ter uma visão conservadora da equações matemáticas, a melhor opção era ir buscar o peixe na geladeira da casa dela. Então, o supermercado Veras Magalhães, forneceu o peixe, o arroz e o azeite.

Às 4 horas, chegam Marcinha e Sblen, com outros víveres. Os operários da construção civil sideral chegaram, esfomeados, "pontualmente" as 5 horas, juntamente com o cozinheiro, trazendo a terceira panela. E iniciou-se o preparo da muqueca de filé de peixe - porque no espaço sideral a moda é essa!

Pouco depois, chegou Bel, caída de para quedas, e prontamente admitida no espaço sideral - primeira aparição, já chegou neste tumulto.

Eu fui expulsa da cozinha, e fiz o imenso sacrifício de ficar tocando violão na sala. Nosso jantar, obviamente ficou pronto à noite. Depois, Marcinha fez banana caramelada. E Anak fez o encerramento: concluiu que, a casa estava muito arrumada (graças a astróloga, que ninguém nunca viu!), a comida muito bem feita, a sobremesa muito chique e a dona da casa completamente sóbria.
Ou seja: tudo completamente irregular, fora dos padrões. É necessário fazer outra festa!

Ontem, soube que marcaram outra festa lá em casa para o fim de semana, mas ainda não estou sabendo nenhum detalhe... Quem souber, por favor me avise...Só acho que estou morando no reino da alegria!

FELIZ COMO UM CÃO

Por: Hermengarda Baptista

Falaram que a felicidade é invenção dos humanos.

Para alguns a felicidade é estar estável. Para o traficante, é brincar de Deus com a vida alheia, ainda que na cadeia. Para o político, a felicidade é roubar muito dinheiro, muito além do que ele possa gastar numa só vida esbanjada. Para os gatos e orientais, a felicidade é ser emocionalmente independente. Para o adolescente, ser feliz é "plurigamia" e encher a cara, fazer mil coisas ditas proibidas e achar que não tem limite. Para o viciado, a felicidade é química.
Mas todo mundo divaga sobre a felicidade - acreditando ou não nela.

Engraçado observar que muitas vezes, a felicidade é apenas vitrine que nunca está à venda. As pessoas que mais posam de felizes, dão receitas, regras, modelos e medidas. São instituições sólidas, imutáveis e inflexíveis: família, religião, matrimônio, trabalho (ou dinheiro, talvez mais precisamente), poligamia, drogas (passaporte mais rápido da felicidade).
Enquanto Babita expele a fumaça do seu prazer químico instantâneo sentada na janela, eu olho Pretinha, vira-latas de rabo fino e olhos pidões. Efusiva nos reencontros diários com sua humana, e também tão feliz quando chegam os outros humanos dela (alguns - porque outros, ela deliberadamente detesta e lhes rasga as meias).

Displicente aos modelos de relacionamento, ela chantageia, faz e implora por carinho anacrônica e desmedidamente, mesmo quando este já é muito. Pede comida sem fome pelo simples hábito de participar das refeições, já que não senta a mesa. Até a ração "fast food" ela come animação. Cedinho da manhã, feliz da vida, ela vai à rua, como se fosse a primeira vez na vida, com o mesmo entusiasmo, com a mesma vibração.

No reino das instituições, socialmente requisitadas para a felicidade, Pretinha passa ao largo de sua solidez. Todos os modelos são flexibilizados diante da autenticidade do cão. Se olharmos bem: Pretinha, entre todos nós, é quem mais pode ser auto-suficiente. Mas ela prefere ser frágil e carente, deliberadamente chantagista.

Às vezes acho que a auto-suficiência é um sobretudo que transforma nossos limites, nossos defeitos, as coisas que podemos melhorar, em "fragilidades". No posto de fragilidade elas nos oferecem o risco indizível do segredo, da constante ameaça de exposição, da invasão, da fraqueza. E, simultaneamente, ficam inatingíveis à mudança, de difícil acesso à evolução.
Minha felicidade é a arte de me equilibrar na tênue linha entre a aceitação submissa aos modelos e a reação furiosa a eles. Por incrível que pareça, esta linha é tênue. Às vezes, gasto boa parte de minha energia apenas reagindo à solidez destas instituições.

Sentei aqui nesta estrela, divagando. É estranho de entender: meus sentimentos são possíveis. São lícitos. E além de tudo, são meus - não dependem dos outros, por mais que eu pense o contrário.

O que eu queria mesmo era ser feliz como um cão...

"ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graçainútil dormir que a dor não passaespere sentado, ou você se cansaestá provado, quem espera nunca alcança"(Bom conselho - Chico Buarque)

"caminhar decido, pela estrada que ao findar vai dar em nada do que eu pensava encontrar"(Se eu quiser falar com Deus - Gilberto Gil)

"eu quero a sorte de um amor tranqüilocom sabor de fruta mordida... ser teu pão, ser tua comidatodo amor que houver nesta vidae algum remédio que me dê alegria"(todo amor que houver nesta vida- Cazuza)

quarta-feira, setembro 27, 2006

ESTE NOVO OLHAR


Amigos são pessoas com quem a gente vive as horas boas, as horas ruins e, sobretudo, as horas neutras, ociosas, e as quartas feiras... dependendo do amigo, vai até para colação de grau. Eu realmente sou uma pessoa de muita sorte, além de um certo ecletismo, neste aspecto.
Se tirassem meus amigos deste universo paralelo que eu vivo, nem a baía da Guanabara, toda a floresta da tijuca e o parque da serra dos órgãos não fariam de nenhum lugar uma cidade maravilhosa.

Neste "universo", existem vários olhares para o mundo. Tem sempre os olhos verdes de minha mãe e os olhos retesados de papai. O olhar "para dentro" de Sílvia. O olhar apaixonado de tia Edna. O olhar para diante de tio Hercílio.

Coexistem os olhos objetivos e contundentes de Anak e o olhar otimista de Ana Cristina, que sempre vê pontos de força. Existe o olhar na sua própria órbita de Marcinha, que sempre encontra uma maluquice nova para falar enquanto Baiana pisa no chão. O olhar complacente de Sblen e o guiderlandês de Doli. O olhar prático de Patrícia. A credibilidade convicta dos olhos de Bárbara. O olhar singelo de Rodolfo. O olhar completo de Edilma.

Existe o conforto do olhar de Xandezinho, cheio de neologismos. E o olhar enviesado de Elisa, que enxerga, pelas esquinas dos fatos. O olhar de Zezé: indefinível.

Existem momentos em que nossa alma eneblina e não consegue olhar claramente os próprios desejos. E nestes momentos, escolher é sempre um parto à fórceps, talvez até de gêmeos siameses.

Então, cada luz de um novo olhar vai descortinando as nuvens, clareando as nossas lentes num novo olhar: um novo grau, um outro ângulo de visão. Neste mundo multifacetado, estou olhando pelas esquinas, esperando a claridade chegar.

Trechos da Paixão de GH segundo Clarice

"Aconteceu-me algma coisa, que eu, pelo fato de não saber como viver, vivi uma outra?
A isso quereria chamar de desorganização, e teria a segurança de me aventurar porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. (...)

Na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha. Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser. (...)

Perdi alguma coisa que me era essencial e que já não me é mais. Não me é necessária. Assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. (...)

Esta terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que eu posso caminhar. Mas a ausência inútil de uma terceira perna me faz falta e me assusta. Era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma e sem sequer precisar me preocupar. (...)

É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar. Mesmo que achar-me seja de novo a mentira que vivo. (...)

Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar – e que para segurança, chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não tenho coragem de achar apenas um meio de entrada? (...)

Como explicar que o meu medo maior seja o de ir vivendo o que for sendo? Como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra – como se antes eu tivesse sabido o que era. (...)

Por que é que ver é uma tal desorganização? E uma desilusão. Talvez a desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido... (...)

Meu medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o risco do acaso.

Perde-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando. As duas pernas que andam sem mais a terceira que prende. É que eu quero ser presa. Não sei o que fazer com a aterradora liberdade que pode me destruir...
Ainda aquela coisa latejando, a que eu estaria tão habituada que pensava que latejar era ser uma pessoa. É? Também. Também. (...)

Terei que ter a coragem de usar um coração desprotegido e de ir falando para o nada e para ninguem? Assim como uma crianca pensa para o nada. É correr o risco de ser esmagado por acaso. (...)

Toda compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar é um perder-se a si próprio. Estou tão assustada que só poderei achar que me perdi se imaginar que alguém está me dando a mão"

(Trechos do livro "a paixão segundo GH" de Clarice Lispector)

Mente sã, coração pasteurizado

Por: Hermengarda Batista

Eu sou de Pernambuco: um lugar bem quente. Na verdade, o ano tem duas estações, bem assimétricas: de chuva e não chuva. A amplitude térmica é bem limitada. Mas nunca chega a 40 graus. Nunca.

Estou morando agora na cidade maravilhosa: descansa na beira da praia, entrecortada de cadeias de montanhas, e nos trechos mais bonitos, a montanha encontra o mar. Linda por excelência.

Mas esta geografia de invejar qualquer arquiteto tem seus caprichos.
Primeiro lugar, as cadeias de montanha bloqueiam as chuvas. Então, por exemplo, você está na Tijuca, num temporal, passa pelo túnel Rebouças, chega na lagoa com o céu azul e claro.

Acredito que a família Adams deve ter morado no fundão, porque deixaram aquela nuvem que acompanha a casa lá. Às vezes, o sol a derrete. Mas ela sempre retorna "adammente" para lá.

Mas o impressionante são as frentes, frias e quentes. Num dia, você assiste no jornal que vai dar temperatura de 17 a 30 graus. E é verdade. Você acorda com um sol lindo, uma brisa morna, sai para trabalhar com uma camiseta e meio dia começa a nublar o céu. E vai nublando, as 4 horas começa a chover e cai a temperatura.

Se você sair de casaco você vai morrer esturricado antes de chover. Mas se levar o casaco na bolsa, ai não chove. Coisas de Murphy...

Este ano, o outono foi mais frio que o inverno. Fechou com uma frente fria, que durou uma semana. Ai a massa de ar seco chega. O inverno começa quente com lindos céus azuis. E depois, outra frente fria. A aurora chega com 10 graus, a galera de casaco.

Passa 4 dias. Acaba a frente fria e o inverno passa a ser verão.
Nessa onda, eu, que sou nordestina, vou terminar pasteurizada.

Em linhas Gerais

Há dois meses, tive a anunciação de 2 "sobrinhos": o neném de Babita e Rodrigo, depois, o do Gordo e Miriam. Desde então, estou participando como expectadora interativa e entusiasta destes processos. A espera de uma nova vida é um fenômeno do qual ninguém sai incólume.

O desejo pode preceder ou não a concepção do filho. No entanto, uma vez concebido como filho, o desejo vai num crescente, como um diamante multifacetado, com um mundo de facetas a refletir o mundo.

A escolha do nome é uma expressão clara disto. Barbara Augusta quer um nome curto. Miriam quer um nome que seja facilmente chamado em vários idiomas. Allan quer um nome facilmente escrito. E eu, de intrometida, quero um nome que não seja tão comum, como Dani.

Também têm os motivos simbólicos. Miriam não quer Heitor porque sofreu muito (na guerra de Tróia) nem Artur porque a lembra um tio. A mãe de Elisa escolheu nomes de atrizes belas e famosas. Papai deu o próprio nome para meu irmão. Kica chamou a filha Letícia, que significa alegria. Renata sugeriu para a irmã que findava seus 4 anos de reinado o nome da menina mais chata do colégio, Isabela – petição negada.

No mundo globalizado, voltaram os nomes bíblicos, como Pedro, Lucas, Tiago e Mateus.
Mas me pergunto o que deseja alguém que chama o filho de Cornélio, Maria das Dores, Maria Auxiliadora, Piedade, Clemente, Pérpetuo Socorro (para quem achar impossível, conheço 2, e uma delas aqui no Rio).

Soube de outro que queria juntar o nome dos 4 irmãos, desde já, lindos: Graciosa, Joroastro, Rivadávio e Tomaz. E então, o novo rebendo arrebentaria chamando-se Grajorito. A mãe, lucidamente vetou.

E a crueldade com os gêmeos? Tenho dois primos chamados Jafferson e Jefferson.

Enfim, ser pai e mãe é enxergar num embrião de 12 semanas, que ainda nem faz barriga, uma pessoa bem chamada, com uma missão de vida, feliz, com carreira internacional, se imprimindo na história. Mesmo que os filhos não sejam nunca exatamente o que sonharam os pais, este desejo é muito importante. É fundamental.

Eu, por exemplo, sou muito diferentíssima do que meu pai queria. Um pouco mais parecida com o que mamãe sonhou. Quando nasci, esperei 8 dias o meu nome. Mamãe deu uma lista de 8 nomes para meus tios e avós maternos votarem. Assim me chamaram Danielle.

Aos 14 anos, eu soube que significava Deus é meu juiz, em hebraico. Aos 22 anos, soube que era um profeta do velho testamento, que desde já, falava de cenas apocalípticas e de um mundo melhor, reconstruído. Mas desde os 7 anos, eu já tinha um planeta no espaço sideral. Pode perguntar a mamãe, que sempre me chamou com a esperança dos seus olhos verdes.

FUTEBOL: OS ÀSES DE OURO NA COPA DE LATA

Por: Hermengarda Batista

(Cara de pau não! Compromisso com o jornalismo!)
(Cara de pau não! Compromisso com o jornalismo!)

O futebol, reza a lenda, é um esporte de origem inglesa. Mas criou fortes raízes, flores e frutos no Brasil. Convido os desgostosos da última copa a um passeio retrospectivo pela história do futebol.

No "século passado", sempre tinha campinhos de terra com barras improvisadas e meninos jogando, correndo atrás da bola. Os adultos, no fim de semana, gozavam do futebol na vizinhança, com os amigos. E nos estádios, era o "futebol espetáculo" para a platéia apaixonada.

O jogador fazia seus passes, suas jogadas, uma verdadeira arte.

Sempre tinha troca de jogadores entre os times. Mas os craques vestiam a camisa e faziam história: Garrincha no Botafogo, Pelé do Santos, Zico no Flamengo... Claro que tem a exceção. Rivelino era inicialmente do Corinthias e passou para o fluminense. Na primeira estréia contra seu antigo time, "deu de goleada": 3x0 para o fluminense.

Então, os "passes" dos jogadores entre clubes começaram a subir de preço. As grandes marcas começaram a dar patrocínios, fazendo marketing às custas do esporte mais popular do Brasil. E isso foi aumentado progressivamente.

Surgiram as escolinhas. É claro que o crescimento demográfico das cidades enxugava todos os oitões, terrenos baldios, áreas abertas. Mas também era cada vez mais evidente a visão do futebol como carreira profissional, cada dia mais valorizada, hoje em dia, mais que, por exemplo médico e advogado.

Os passes (de bola) e as jogadas eram cada vez mais justas, com marcação cada vez mais cerrada. A vitória é mais bem paga do que com a alegria da torcida homenageada com belas jogadas. Enquanto o futebol perdia sua função social de "confraternizar", ganhava mais valor no mercado.

Até chegarmos à atual conjuntura, onde as grandes marcas lidam com os jogadores com tal propriedade que, por exemplo, Ronaldo, ilusoriamente chamado "fenônemo", começou a tratar seus belísimos dentes e o tratamento foi suspenso. A imagem que a nike comprou continha aqueles dentinhos. É um preço milionário, e por isso vale a pena.

A copa começou. A cada segundo era uma propaganda, um outdoor, uma vinheta. Deu para ter uma noção da suntuosidade do dinheiro que se movimenta. Tudo tinha propaganda: bancos, bebidas, artigos esportivos, cartões de crédito, camisas... Até sorvete da McDonald foi lançado!

Os próprios jogadores, além dos salários fixos, eram garotos propaganda de uma infinidade de coisas.

Realmente não sei o que decide a copa. Mas sei que futebol é a única coisa que sei que não é. Pode ter jogos definidos em 15 minutos, resultados surpreendentes. Mas meu olhar despido do súbito patriotismo fanático enxerga muitas manipulações.

Nosso time, tão cheio de astros e fenômenos, jogou mal em todos os jogos, inclusive nos que ganhou. E por fim terminou perdendo. Na outra copa que perdemos, a desculpa da convulsão de Ronaldo foi mais ágil. Agora, muitos dias depois nos chegam desculpas que fulano operou o joelho, beltrano teve contusão nos chifres, etc...

Mas o fato é que nem tentaram disfarçar muito. Ao contrário do pesar dos demais brasileiros, nossos astros comemoraram: o outro amarrou o sapato na hora do gol, Ronaldinho gaúcho fez festa em casa, outro comprou um caríssimo carro novo.
Engraçado é que Dida, o jogador que mais trabalhou durante a copa foi também o que menos apareceu nas propagandas. Quanto terá sido o preço de Dida? Quanto custa nosso patriotismo? Quanto demora para acreditarmos novamente?

Termino com o depoimento de Fernanda Montenegro sobre o que ela achara do fim de sua personagem "Bia Falcão" que cometeu muitas atrocidades, saiu impunemente rica com o namorado da única amiga que não lhe virou as costas: " Isso foi um pedido do público. A vilã só seria punida numa novela de 20 anos atrás".

Como era o futebol de 20 anos atrás?

Manhã de sol

por Rodolfo Campos e Silva

Desde que eu tive que assumir as tarefas domésticas, sem dúvida alguma, os maiores desafios vieram da união do ferro e tábua de passar e as camisas amassadas contra mim. Cansado de só ir trabalhar com camisas de malha, hoje acordei cheio de coragem e decidido a enfrentar o desafio de passar uma camisa de botão. Monto toda a parafernalha e começo a tarefa.

Por ironia eu acabo escolhendo uma camisa de um tecido desenvolvido pela Nasa que se recusa, mesmo frente a todos os meus esforços, a ficar liso. Eu estava, porém, resignado e não esmoreci. Estava disposto de demorar o tempo que fosse necessário, mesmo que meus mantimentos e água acabassem. E demorou.

Demorou tanto que durante o processo a campainha tocou 3 vezes e o telefone 2. Estava cada vez mais atrasado para o trabalho mas continuava firme. Finalmente, depois de muito esforço, eu termino a tarefa. Visto a camisa e saio correndo de casa.

Coloco o pé na rua, respiro fundo com o peito cheio de orgulhe e abaixo a cabeça pra admirar meu trabalho à luz do sol pra, só então, perceber como há diferença entre olhar uma camisa dentro de um quarto com as janelas fechadas pra olhar à luz do Sol.

Nessa hora eu percebi que a camisa devia estar mais lisa quando estava contorcida dentro do cesto de roupa do que agora que estava em meu corpo. Nessa hora eu, perante o sol que me iluminava, fiz um juramento de renunciar definitivamente a passar qualquer camisa de botão pelo resto de minha vida.

Meu impulso inicial foi voltar para casa pra trocar de roupa mas já estava muito atrasado. Resolvi conferir as horas só pra perceber que, na pressa, tinha esquecido o celular. Meu ônibus já estava passando e, naquela hora, resolvi enfrentar o mundo (ou pelo menos aquele dia) com uma camisa que parecia ter sido roubada de um mendigo desleixado e sem aquele aparelhinho gerador de tantas ansiedades mas do qual a gente não consegue se livrar mais na sociedade moderna.

Entro no ônibus e fico na dúvida entre sentar normalmente em um assento como se minha roupa estivesse dentro dos padrões ou se abro minha mochila e coloco minha cara dentro pra ninguém me reconhecer. Opto pela segunda alternativa. Chegando no meu ponto desço do ônibus e, ao passar em frente às Lojas Americanas, tenho a idéia de entrar pra comprar uma camiseta.

Entro, escolho uma camiseta baratinha e me dirijo para o caixa. Já chegando perto da escada rolante ouço um grito de desespero e terror vindo da sua direção. De onde eu estava não dava pra ver nada além de várias pessoas olhando para aquele lado. Pronto, alguém perdeu algum membro na escada rolante e o sangue já vai começar a escorrer em forma de cachoeira.

Paro por um átomo de segundo, receoso de encarar a cena terrível pra, então, perceber que o grito veio de um aparelho de televisão que exibia a Era do Gelo 2. Nessa hora eu dou meia volta e me dirijo para a sessão de chocolates sabendo que estava precisando urgentemente de 200ml de seratonina. Eram ainda 9 da manhã.

prisioneira sem grades

por Alexandre Gamalhães.

A galeria dos medos é escura e enorme, em cada porta um receio ou um pavor, algumas estão apenas entreabertas, outras estiveram sempre fechadas, cofres a guardar medos como se tesouros fossem.

Uma vez descobri em mim uma dessas portas, o medo já existia antes mesmo de se chegar a ela, ficava num canto bem escuro, recém descoberto em mim, um dia, resolvi me aproximar e fiquei do lado de fora, tentando perceber o que podia existir além, nenhum som, nenhuma luz, nada parecia viver depois daquela porta, e foi então com muito medo que resolvi abrir-la.

Girei a maçaneta com todo o cuidado e bem de mansinho fui abrindo a porta, sem entrar, percebi que se tratava de um ambiente totalmente desconhecido em mim, era um quarto, escuro e empoeirado, fui entrando com extrema cautela, aos poucos meus olhos se acostumaram com o escuro e passei a enxergar melhor aquele novo interior, achei um pequeno e velho abajur que exigido, para a minha surpresa funcionou, aquela pequena luz aos poucos revelava um lugar que devia ter sido bonito um dia, moveis antigos, quadros, fotografias e lembranças há tanto esquecidas, emocionado me retirei, mas ao sair deixei a porta apenas encostada.

Fiz promessas de voltar aquele quarto e para meu espanto, voltei, e a cada volta descobria coisas novas, uma luz mais forte, um bom livro, um vaso com agua, uma sandália, coisas boas e comuns, levei vassouras e baldes e comecei uma limpeza geral, tirei poeiras milenárias, lavei, limpei, abri e esfreguei, descobri uma janela que dava para um jardin, maltratado e esquecido, e lá num canto escuro do jardim, descobri outra porta...

Copa do Mundo

Hoje, estava voltando para casa quando, vinha na direção contrária, uma mãe, empurrando ladeira acima o carrinho de uma linda meninnha, sentada e alheia a tudo, sorrindo para o distante céu azul. Neste instante, comecei a pensar quantas vezes não agimos assim. Vamos indo, sendo levados, aonde nem sequer aventamos... sorridentes, com os olhos apegados ao distante colorido do mundo. E enquanto isso a força propulsora se esforça aos píncaros.

Considerando que este correio um instrumento democrático de comunicação, há respeito e gozo das diferenças entre os seres. Neste momento de perversão social e distorção de valores, desejo a todos boa copa do mundo.

Sentir sabendo

Por: Hermengarda Batista

Existe uma diferença entre o saber e o sentir.

O saber mora no raciocínio, pode ter embasamento científico ou experimental. Muda e se incrementa com a vivência e com a relação com o meio externo. Apesar da hipótese de que só os ignorantes são felizes, eu discordo. É muito bom saber das coisas, para as mais variadas situações, para observar as nuances do mundo e interagir com as pessoas.

Já o sentir é outro departamento. Ele trabalha no departamento da emoção e não obedece métodos, procedimentos ou lógicas. A gente simplesmente sente as coisas, como elas são ou não são. E o sentimento sincero é mais que os fatos, que as verdades, que as certezas.

O sentimento e o saber podem ser mutuamente influenciados. Muitas coisas que a gente sabe mudam o que se sente e os sentimentos induzem a busca do saber.

Eu sei que a Terra é redonda e azul. Isso é realidade, cientificamente comprovada. Mas não é isso que sinto. Eu sinto que a terra é plana, com inclinações, subidas e descidas, e cheia de cores, sons e cheiros. E é pelo que eu sinto que eu me equilibro sob dois pés e ando. Em algumas inclinações, muitas vezes, eu me ajudo com os braços como se fossem patas. Se eu sentisse a terra redonda, ia viver escorregando... O equilíbrio da vida é a eterna busca de olhar o horizonte e manter a sensação de que a terra é redonda mesmo sentindo ela é plana sob dois pés.

O Tempo

por: Alexandre Magalhães

Houve um tempo nebuloso, um tempo de grandes perdas e desencontros, um tempo de carência física e emocional, houve um tempo em que a vida havia se tornadoum fardo pesado demais. Esse peso somente era amenizado com o convívio dos meus filhos, os finais de semana logo se tornaram ilhas habitadas só por nós três.

Foi nesse tempo de distâncias que nos aproximamos mais, promovíamosencontros relâmpagos e muitas vezes matamos as saudades abraçados entre asgrades do colégio, e foi no contexto desse tempo que aconteceu um fato que me marcaria para sempre.

A proximidade do Natal me trazia sentimentos conflitantes, me angustiavaa impossibilidade de presenteá-los, enquanto a chegada de um novo ano traziaem si novas possibilidades que me enchiam de esperanças. Havíamos marcado um encontro para aquela manhã.

Logo na chegada vi meus filhos disparando pela porta feito foguetes, eles corriam
em minha direção com os braços abertos, fazendo curvas no ar como pequenos aviões.
Quando me alcançaram senti que o tempo começava a parar. Fui inundado por um mar
de paz e tranqüilidade, ficamos assim, abraçados em silêncio por um tempo que se
recusava a passar.

Logo começamos a conversar amenidades até que percebi seus olhares se cruzando e senti que o ambiente começava a tomar um ar solene. Percebi que algo forado comum iria acontecer. Eles me olharam e disseram assim: "Pai, você sabe que a gente não tem dinheiro pra te dar um presente bonitinho, mas a gente pegou no terreno da vó uma coisa que você gosta muito.

Nesse momento eles se abaixaram e pegaram uma caixa que estava escondida atrás do portão, levantarama caixa com bastante dificuldade, estenderam os braços em minha direção e me desejaram um Feliz Natal. Curioso, abri meu presente e emocionado, constatei que eram pedras, uma caixa cheia de pedras.
Este pequeno episodio, mudaria a minha essência e moldaria o homem que souhoje, um homem atento ao Deus que mora no centro das pequenas coisas.

Apenas um Segundo

por: alexandre magalhães

Sexta feira, 05 de Maio de 2006, uma tarde bonita e comum, caminhamos displicentemente pelas ruas do bairro, a meta é o mercado, onde as necessidades básicas para as "comilancinhas" do fim de semana nos esperam, conversamos amenidades quando um barulho nos rouba a atenção, uma freada brusca e um carro explode sua dianteira bem no meio de uma motocicleta, um corpo jovem e bem vestido parece flutuar no ar, dando piruetas, como um acrobata num picadeiro.

Tenho uma reação inesperada, me viro e escondo os olhos da cena, como se o simples fato de esconder o olhar, fosse mudar a terrível realidade, meu filho me chama e corremos para dar os primeiros socorros, corro para frente do carro já a espera de ver um corpo desfigurado, que para espanto não encontro, nos olhamos surpresos e vemos o homem em pé na calçada, com aquela cara de quem não sabe o que lhe aconteceu. Imediatamente o coloco deitado imóvel, ele não aparenta ter fraturas ou sangramentos externos, chamo a ambulância dos bombeiros e fico conversando com ele, lhe dando conforto e segurança. Seu nome é Jorge e acabou de sair de casa para encontrar-se com a namorada, me disse que jamais tinha feito esse caminho, mais que hoje, por algum motivo fútil, tinha escolhido ao acaso aquela rua, liguei para a sua irmã e comuniquei o ocorrido, e minha vida segui em frente, rumo ao mercado.

Hoje, refletindo sobre o ocorrido, fiquei pensando no moral da estória se é que toda estória tem realmente uma moral, mas percebi que deveria viver com mais qualidade e intensidade, devia abraçar meus filhos com mais freqüência e dizer todos os dias o quanto eles são importantes para mim, devia estar mais próximo da minha irmã, devia amar minha namorada como se ele fosse embora amanha, ligar para os meus amigos somente para dizer que esta tudo bem e que sinto a falta deles, devia escalar mais, ver mais pores do Sol, Luas cheias, estrelas cadentes, devia perdoar os erros dos outros e mais importante ainda, devia perdoar os meus próprios erros e me permitir se mais feliz. Porque em apenas um segundo você passa de um jovem feliz com o vento batendo no rosto, num corpo inerte que da voltas no ar.

VII diário da dona de casa: Peixe na Telha

por: Danielle Rodrigues

Feriado da semana santa, resolvemos passar na ilha de Itacuruça: mais um evento Fátima Beatriz coutry club...

É um lugar lindo e pouco habitado, parte da ilha é praia e a outra falésia. Boa parte dela ainda não tem energia elétrica, incluindo a casa em que ficaríamos.

Vai de barco para a ilha. E chegamos à linda luz da lua cheia pelas águas plácidas do mar sereno.

O cardápio da quinta à noite foi o clássico de Amanda: cachorro quente. E a trilha sonora de toda a viagem: "Gente, alguém viu a Bela?". Bela é uma cachorrinha miniatura preta que, à noite, usava em vão uma coleira em neon para não perder-se.

Estávamos lá: eu, Amanda, Paulinha, Fatinha, Bela e o sultão Alexandre Magalhães.
Sexta feira da paixão, Paulinha instituiu que faríamos um peixe fresco, recém pescado. E com a chegada do nosso peixe, começaram as elocubrações: como se temperaria o peixe. Enquanto o meu olhar escorre pelas esquinas da casa, e queda-se num amontoado de telhas que sobrara da construção das casas: "vamos fazer um peixe na telha?"

Para desespero do único ser habilitadamente cozinhante, a proposta foi calorosamente abraçada. Lavamos a telha, deitamo-la o peixe, equilibrando cuidadosamente o conjunto sobre a frágil grade da churrasqueira.

Este é um tópico a parte: a churrasqueira. A princípio, custou 70 reais. Era uma bandeija com carvão, equilibrada sobre hastes em quatro pontos, com uma grelha delicada. Vale salientar que toda a churrasqueira pesava menos que a telha.

Com toda a nossa experiência com assuntos de cozinha, nossa estréia com o "peixe na telha" foi realmente um filme de McGiver. O peixe deitado sobre a telha, nú como veio ao mundo, equilibrava-se na grelha. Até o momento que concluímos que necessitava embrulhá-lo. E Fatinha sugeriu a folha de bananeira, que o único ser discordante foi democraticamente eleito para buscá-la.

Peixe embrulhado.

E a demora...

Amanda deu a idéia de colocar outra telha. Prontamente aceita. Lavamos mais uma telha, e colocamos sobre o peixe. Estava lá o evento: O peixe, enrolado na folha de bananeira, envolvido no túnel de telhas sobre a tênue churrasqueira. E as quatro supostas cozinheiras em volta e famintas.

O único ser cozinhante, e discordante, como protesto mudo, resolveu resignado fazer farofa e arroz na cozinha. Foi quando surgiu o problema: como vamos saber se ele cozinhou?

Pelos olhos? Mas agora o peixe não está mais fresco...

Numa operação conjunta, eu, Amanda e Paulinha resolvemos fazer a emboscada. Remover a telha, desembrulhar o peixe, e verificar o estado da nossa vítima. Cada uma em "pontos extremos" da churrasqueira, eu para tirar a telha, quando começamos a temer pela vulnerabilidade do conjunto.

Destelhado, começamos a despí-lo. Segura daqui, segura de lá: heis que as hastes do lado de lá (justamente do degrau) desarmaram, formando uma rampa que conduziu o nosso peixe direto ao chão.

Chão encimentado, porque Deus protege os criativos...

A fome e o peixe degladiaram por 3 segundos e a fome venceu. Retimos a face de cima, já cozida e livre do chão, a face "cainte" e o rabo (ainda cru) foram devidamente re-embrulhado e re-telhado, para matar, primeiramente, as bactérias e posteriormente a nossa fome.

E no dia seguinte, foi feijoada, feita no reino absolutista de Alex, sem ninguém meter a colher, literalmente falando...

FONÉTICA CARIOCA

1ª Edição – fevereiro/20042ª Edição - setembro/2005
Revisada, ampliada e corrigida
Autoria: Danielle Rodrigues e Hermengarda Batista
Revisão e correção idiomática: AnaK Magalhães, Antônio Augusto, Dado Camara e Beta Câmara
Correção de texto: Patrícia Garcia

1ª regra – "A" acessórioToda palavra merece um A, nem que seja um A a mais:ex: semaAna, pequeAna, IpaneAma, escoAla, granoAla, exceção: maior.
1.1 Maior
MAIOR é uma palavra exclusa dos privilégios das demais. Existe a possibilidade do uso da palavra "maior" com a pronuncia igual à forma escrita. "esta forma é maior"
Porém, nestas aplicações, a pronuncia mais usada é "maor": "esta forma é maor"Indubitavelmente, a forma mais usual é a pronúncia "mó", sobretudo nas expressões idiomáticas: mó galeAra, mó gostoAso, mó atrasaAdo.

2ª Regra – palavras terminada em I As palavras com I apresentam algumas variações.As palavras terminadas em I podem vir acompanhadas de EA ou E, respectivamente: açaiEA, aliE. É interessante observar que o A pode ficar parcialmente expresso, meio travestido de E, simulando aquela letra francesa "œ".

3ª Regra – T e D Como grande parte do Brasil, os cariocas também acham que, nas palavras onde o D e T vêm seguidos de E ou I, há sempre um CH no meio.Ex dchireitchinho.

4ª Regra – A plurivalência do I A letra I pode se apresentar com uma multiplicidade de sons, que não necessariamente inclui o fonema I:a. "I mudo" – exemplo: maior, que se pronuncia "maor"b. um fonema – igreja, que se pronuncia como se escreve(igreja); feira, que se pronuncia fearac. dois fonemas – prima, que se pronuncia preama d. três fonemas - ali, que se pronuncia alieaSalienta-se o fonema tipicamente carioca, primo da letra francesa "œ", é o fonema "æ" que se pronuncia "eâ".

Nota da autora: não me lembro de outro caso lingüístico de acento circunflexo no A. mas se o computador colocou, é porque tem!

Salienta-se que o fonema I não obrigatoriamente vai estar presente nas suas combinações, apesar de estar grafado, como por exemplo, nas palavras "preama" e "feara".

5ª Regra - CaraA origem ontogenética do CARA é múltipla, posto ter sido uma declinação de várias expressões popularmente consagradas como caraAcas, caraAmba, e congêneres (deduzam o restante, porque quem explica o óbvio cai no ridículo).CARA é uma palavra "camaleoa", que pode assumir o lugar de várias interjeições, substantivos e, inclusive, sinais de pontuação (é muito comum substituir a vírgula ou ponto de exclamação). Pode ser repetido diversas vezes numa mesma oração, sendo amplamente difundindo por todas as faixas etárias.Não esquecer que a pronuncia correta do fonema CARA no carioques é caAra. Observem agora algumas aplicações: a.

CARA substituindo vocativo - CaAra, isto aqui tá maneAro.b. CARA substituindo um substantivo - olha só a do CaAra, CaAra...Neste exemplo, o primeiro é substantivo: sinonimo de pessoa do sexo masculino, e a segunda é uma interjeição.

Salienta-se que, quando usado como substativo, em referência a indivíduo do sexo masculino, a pronuncia mais comum é "cara".c. CARA subsituindo uma vírgula - CaAra, ai CaAra abriAu o sinal CaAra freie o caArro CaAra, o CARA atravessou mó caAra de pau CARANeste caso, o cara aparece, primeiro como uma interjeição, a seguir,substituindo vírgulas, como um substantivo (foneticamente diferente, representando um individuo do sexo masculino) e posteriormente, no lugar do ponto final.d. CaAra feminino - observa-se que o fonema "cara" pode ser usado quando o orador se refira ou esteja conversando com alguém do sexo feminino, como por exemplo, numa conversa entre duas mulheres: CaAra, este batom: ninguém mere

Ace... faAla séArio, aiEA!

6ª Regra – XÉ comum a substituição do S pelo X:a. onibuxb. mixtoc. caxcad. mexmo.Salienta-se que a palavra "mesmo" tem duas expressões fonéticas: mexmo e mermo, sendo a última mais usada.Há referências que citam a declinação deste X para "Gê" sobretudo nos plurais, mas ainda é bastante controverso.

7ª Regra – Expressões idiomáticas As expressões idiomáticas, na fonética carioca (como em todo Brasil), geralmente vêem em bloco, e são praticamente infinitas, sendo impossível listar todas. Serão listadas as mais habituais.

7.1 expressões nacionalmente conhecidas
São expressões que são usadas em outros estados, corriqueiramente, não sendo necessários maiores esclarecimentos a respeito: a. CaArab. Ninguém mereAceAc. faAla séArio, aiEA!d. TchiApo assime. Mó galeAraf. ManeAro(a)g. Mermão – meu irmãoh. Alôôi. sá´có´é" – sabe qual é?j. FaAla´ê!

7.2 Curinga: A pronuncia correta é CuriEAnga. Foi originada a partir do jogo de cartas, refere-se ao potencial de ser substituto de algo ou alguém."CaAra é uma palavra CuriEAnga"

7.3 O queA é aquiEAlo? Não é uma pergunta. É uma expressão de admiração ou surpresa. Como por exemplo, a beleza de alguém."Rodrigo Santoro: nossa! O queA é aquiEAlo?"

7.4 "fechô" ou "Formô" Esta expressão pode ser usada no sentido de concordância ou assentimento:"vamo pro show no ciEArco?" "fechô"Nesta situação, "fechô" e "formô" são sinônimos. Mas também é corriqueiramente utilizada para expressar um desfecho problemático ou desagrgadável:"mermão, fechô, sá´có´é?"

7.5 "vou chegá""Vou chegar", ao contrário do que se pode imaginar, significa que se está partindo, indo embora. É sinônimo de "partiu" ou "fui". "mermão, vou chegá"

7.6 "demoro" e "já é"- Estas são as expressões mais difíceis de ser explicados, porque toda vez que o "não carioca" pergunta, o carioca responde "demorô é demorô" ou "já é, é já é". A diferença entre estas duas expressões também mora no mesmo limbo universal dos limites imprecisos. Há quem diga que "já é" é o que deveria ter sido e "demorô" é a confirmação de algo, um assentimento efusivo, semelhante ao "formô", "fechô". Acrescento que com 1,5 ano morando no Rio de Janeiro eu já sei empregar estas expressões. No entanto, acho que precisa morar mais uns 15 anos para poder explicar.

7.7 "neguinho" ou "nego "Esta expressão tem influências do Brasil colônia. São expressões que significam um sujeito indeterminado, que geralmente fez alguma coisa errada. Por exemplo:"nego é foda...""aEA, neguinho finge que não fez naAda..."

7.8 "como assiEAm?" "Como assim?" não é necessariamente uma pergunta.É uma expressão exclamativa que habitualmente é usada para exprimir surpresa diante de situações que parecem óbvias, pelo menos para o orador. Enquanto se explica uma coisa aparentemente óbvia, "como assim" pode começar ou terminar a explanação."como assiEAm não vai pro show?""dar o laço!? usando a mão e os cinco dedos! como assim? não!" - nesta situação, a obviedade é ratificada pelos cinco dedos, e o não é como uma expressão de surpresa do outro não ter pensado nisso.Além disso, o "como assim" pode ser empregada quando se encontra alguém, também visando expressar surpresa, como um cumprimento:"CaAra, como assiEAm?"

7.9 siniEAstro"SiniEAstro" significa uma coisa muito boa."CaAra, o diEAsco tá siniEAstro, aiEA"

7.10 "é fato" Esta expressão é corriqueiramente usada para se referir a algo que ainda não aconteceu:"´cê vaE amanhã?""iEAsso é fato!"

7. 11 paraAda"Parada" é outra expressão "curinga" amplamente empregada em substituição a vários substantivos. Habitualmente, "parada" se relaciona com uma coisa dinâmica, ou com duração fugaz, como um evento, um encontro, uma passeada, uma festa, um show, uma trilha."a paraAda hoAje vaE ser aondeA? Na lapa?" Todavia, ela pode substituir qualquer substantivo. O uso desta expressão exime o orador de detalhamentos ou explicações a respeito. Por isso, quando se deseja dar uma resposta vaga ou imprecisa, tem-se indicacao formal do uso de "parada". "não pude iEAr porque tiEAve que resolver uma paraAda aiEA!"

7.12 "dá idéia""Dá idéia" é um termo mais comumente usado pelos adolescentes e adjacências que significa galantear, tentar seduzir com temáticas, mais freqüentemente, pouco frutíferas ou com pouca coerência com a realidade."o caAra tá dando mó idéa na tua irmã aiEA""chegô" é outra possibilidade de expressar esta mesma situação. Neste caso, seria:"o caAra tá chegando na tua irmã aiEA"

7.13 "encabeçar", "cabeçaEAda" e "cabeçãAo"Apesar destas três expressões terem sua origem na palavra "cabeça", elas são bastante diferentes. "Encabeçar" refere-se a tentativa de participar de algo, em geral, um evento, de cortesia (vulgo, arrêgo ou penetra) como:"vou tentar encabeçar você no show". "Cabeçada" refere-se a uma vultuosa quantidade de pessoas, como na situação de uma festa:"mó cabeçada foi"."Cabeção" é uma pessoa muito inteligente ou estudiosa: "ela é mó cabeção, com certeAza vai passaAr". E também pode ser utilizada para afirmar teimosia, cabeça dura.

7.14 "tuAdoA"É um declínio de outra expressão "tudo de bom". É usada para afirmar categoricamente que trata-se de algo maravilhoso, lindo ou espetacular. Pode se referir a pessoas, objetos, lugares, astros, etc."esta lua ta tuAdoA"

7.15 "caíAdo""Caído" significa que houve queda no nível de qualidade. É outra expressão que pode ser utilizada em referência a objetos, alimentos, propostas, escolhas ou pessoas. "cê aAcha Lobão bonito? Ele tá muito caíAdo

7.16 "seqüela"Esta expressão não é tão comumente usada. Como facilmente se deduz, remonta a uma pessoa que tem sérios problemas, praticamente insolúveis, que causam incapacidade para certos eventos ou deduções, mas, que, na realidade não são orgânicos ou palpáveis. Seriam "seqüelas" de vícios ou defeitos insistentemente ostentados apesar da repercussão ao público. Pode ser usado como adjetivo ou como substantivo:"Otto é mó seqüeAla..."ou "Otto, caAra, o cara é mó sequelado!"

7.17 "geral" "Geral" dá a idéia de uma coisa ampla, mais freqüentemente usado para pessoas, substituindo "todo mundo", "todas as pessoas" mas também pode ser usado para objetos."pegando geral" "geral foi"."não consegui nada emprestado. Paguei geral"

7.18 valeu"Valeu" é mais uma expressão curiEAga, podendo ser usada de diversas maneiras:"oi, Ana, Valeu?" - substituindo o "tudo bem""Tá confirmado hj o show, valeu?" - substituindo a confirmação, concordância"vou chegá, valeu, valeu" - como despedida. Nestes casos, geralmente o valeu é duplo.

7.19 "dar o perdiAdo", "dar o balão"São expressões usadas para dizer que alguem foi dispistado. "vou dar o balão nele hoAje" ou "hoAje vou dar o perdiAdo"

7.20 "bizarro" e "tosco"Ambas significam coisas deploraveis, estranhas, mal acabado ou feias. Tosco pode ser também grosseiro. Podem ser usados para pessoas, objetos, lugares, situações

7. 21 "péla saco"- Expressão provavelmente derivada da analogia de se "pelar o saco" de outrém. Algo mais inconveniente do que simplesmente chato. É usado para pessoas: "esse cara é mó péla saco"e tambem pode ser usado abreviado: "esse cara é mó péla"

Alianças e Promessas

Por: Danizita

No último domingo, Rodrigo propôs a Babita, no meio (da via) do arco-íris, explicitar uma aliança, já internamente inscrita.

A aliança foi um símbolo há muito instituído, que permanece apesar das tantas mudanças de padrões e modelos das relações afetivas. Ela é um círculo, para dar noção de continuidade. É feita de ouro porque é um metal valioso e durável. E com a consolidação do matrimonio, passa a ser usada no dedo anular da mão esquerda, porque os antigos acreditaval que havia ligação direta deste dedo com o coração pela veia magna.

O arco-íris, por sua vez, também é cheio de simbolismos. A luz do sol, atravessando as gotas de água suspensas no ar, formam um colorido tênue cheio de simbolismos. Da religião judaico-cristã, após o dilúvio, com a diminuição da chuva, Deus colocaria no céu o seu arco para simbolizar a afirmação da promessa de construção do mundo.

Aproveitando a temática da páscoa, o corpo editorial do correio sideral deseja a todos que, a semelhança de Babita e Rodrigo, firmem ou afirmem propostas de alianças valiosas e duráveis, dentro de promessas leves e coloridas de construção de um mundo melhor.

"Tudo que move é sagrado, E remove as montanhas...Enquanto a chama arder, Todo dia te ver passar/Tudo viver a teu lado com o arco da promessa/Do azul pintado pra durar..."

Solidário e cúmplice

Nesta tarde morna, com um céu azul preguiçoso, eu volto pela cidade vazia e me lembro de Florentino Ariza.

Muitas coisas me chamam atenção naquele homem tão estranho. A princípio, o imaginava um tanto asqueroso e limitado, como quem vive em função de um sonho impossível – Fermina Daza. O amor de adolescente era intensamente escrito e "poetizado", mas nunca fora vivido. E assim, quando ficaram frente a frente, Fermina Daza desiste imediatamente do seu suposto grande amor, pelo qual suportara tantas restrições, viagens e repressões.

No entanto, Florentino Ariza persiste com este amor, que a todos, sobretudo a nós leitores, parecia impossível. Calado e velado dentro de si, vivia muitos relacionamentos de uma forma que me parecia superficial. Mas não era. Ele apenas amava as mulheres, com seus defeitos e qualidades, sem querer nada delas além do que elas poderiam o dar, ou às vezes, menos que isso. Amava sobretudo seus defeitos, como o Diego de Frida Kahlo. E amar os defeitos de alguém é tornar-se tão cúmplice que torna-se imprescindível, encantador. Sobretudo porque a tendência de todo mundo é se proteger da mudança, e todos os sacrifícios e frustrações que ela traz em si.

Não exigia nada de ninguém nem de si mesmo – por isso, permaneceu o mesmo durante toda espera. Também ninguém sabe o que se aprendeu com ele ou o que ele aprendeu com alguém. E de vez em quando, ele se tornava necessário, em presença física, e fazia o que era preciso, ajudava, sem cobrança. Era cúmplice.

Isso me intriga: qual é a diferença de ser cúmplice ou ser solidário?

À medida que ele não exigia nada de ninguém, nem sequer se pensava em exigir-se algo dele – isso vinha implícito, e talvez mais forte do que qualquer pacto escrito e registrado em cartório. As coisas que são registradas nos sentimentos não precisam ser registradas em papéis.

Com Fermina, era diferente. Ele esperou que ela o assumisse: calma e tranqüilamente. Mas esperava algo dela: esperava construir algo com ela. Esperou que ela fizesse a viagem com ele, e ela atendeu as suas expectativas. E apesar de esperar algo dela, ele, por sua vez, aceitava todas as grandes diferenças entre o sonho que ele tanto esperou e o que ele viveu, sem frustrações.

Eram solidários. Esperava-se que tivesse paciência, que tivesse tolerância, que tivesse aceitação, que tivesse coragem de viver o sonho do jeito que ele era possível. Um aceitava as limitações do outro, mas esperavam construir algum laço, ainda que Fermina não admitisse nem para si mesma.

Esperar algo de alguém é, muitas vezes, acreditar na capacidade desta pessoa de construir, de criar, de desenvolver e evoluir – que nem todo mundo tem. E mais que isso: querer participar da vida - não só de momentos supostamente bons. As grandes alegrias vêm nas grandes conquistas, que traz em si momentos bons, ruins, de esperança, desespero e angústia, de ilusão e medo, de fantasia e sonhos – todos os tipos de sentimentos.

Então, para mim, Florentino Ariza muda de forma: de um homem franzinho, despido de encantos físicos e com um jeito um tanto asqueroso, para um homem que tem muito a me ensinar do outro lado destas páginas. Tanto que sai das páginas e me volta a memória, à toa, numa tarde morna, com um céu preguiçoso, que já começa a chover, solidário com meu espírito preguiçoso e cansado.

Do lado de Florentino Ariza, em mim, mora Frida: de quadros fortes, grandes defeitos físicos, de um pensamento tão livre quanto sua capacidade de buscar os momentos, e vivê-los – sem hesitação. Se de um lado, Diego amava os defeitos das mulheres, ela tinha mil defeitos físicos, e mil características completamente distintas do que era socialmente aceito – habitualmente intitulados como defeitos. Apesar de disfarçar seus defeitos físicos, felizmente nunca quis mudar a irreverência de sua personalidade. Seus quadros, de uma intensidade impressionante, falavam de coisas íntimas, que ela expunha ao mundo, como se não coubesse mais dentro de si.

O jogo de contrários e contrastes de suas telas era vivo na sua vida. Se de um lado, vestia-se de uma forma própria, criando um estilo, para disfarçar seus defeitos físicos, e paralelamente a isso, expunha sua personalidade, com força e coragem. Era sua dor: sua vida encravada de dor, desde a paralisia infantil, o acidente, e suas tantas seqüelas, à deslealdade de Diego e da irmã...

Como Florentino Ariza, ela também amava as pessoas pelo que as fazia distintas da maioria: sua personalidade, sua beleza interior, sua história, suas dores – a magia que transmitiam para o mundo. Costuma-se dizer que, na arte, belo é tudo aquilo que choca. E ela, como uma boa artista, trazia este gosto na alma. Amava a preservação das diferenças das pessoas e o percurso que se propunham a seguir. Ela me parecia mais solidária do que cúmplice: contemplava as evoluções, ativa ou passivamente, e admirava, as esperava, acreditava nelas, apoiava no acerto ou na derrota, no exílio ou na glória, com ou sem paciência, ao invés de estimular a acomodação e simples aceitação dos fatos e defeitos.

Às vezes, não basta só estar ao lado. É necessário deixar crescer e libertar-se: saber conviver com o sucesso do outro, com o próprio sucesso, com as evoluções. Ser solidário não se resume às dores. É o que faz a diferença entre conviver e viver com, sobreviver, subviver e viver. É o que guarda as pessoas na lembrança quando elas não podem mais ser abraçadas.

A maioria das pessoas se acostuma a "subviver". Outras seguirão sobrevivendo, com se estivessem imiscíveis à vida, como se fossem superiores a ela. Poucas realmente acreditaram que as mudanças custam caro, no entanto, são o preço da felicidade. Até os imóveis precisam de reparos e consertos indefinidamente. Não seria diferente com a felicidade, que é a porção mágica que transforma um dia atrás do outro numa vida, a presença de uma pessoa numa riqueza e o pensamento em memórias.


texto de 24/06/2003

INSCRIÇÃO PRÉ-NATAL

Para todo mundo saber que é aniversário dele!
Por: Danielle Rodrigues


Existem laços familiares que são verdadeiras penitências. Outros, entretanto, é como se não houvesse alternativa: é como se já fizessem parte de nossa história antes mesmo dela começar. Antes de eu nascer, já tinha muita gente inscrita em minha história.

Minha mãe me esperou com música clássica e yoga. Recebeu-me com carinho, comidas caseiras e saudáveis, caixa de areia para eu brincar, e um olhar verde e cheio de esperança para meu caminho. Quis que eu fosse uma mulher independente (hoje ela acha até demais), com uma profissão forte e importante para a ciência.

Meu pai, eu nem sei bem o que ele queria. Mas queria muita coisa. Desde muito pequena, ele queria minha companhia. Andava comigo à cavalo quando eu era ainda menor que a sela. Queria que eu fosse médica, que eu não dependesse de nenhum "marmanjo" e que eu não me casasse com nenhuma "trepessa".

Minha avó disse que eu nasci tão branca que era azul. Ela sempre fala isso. E foi a primeira que descobriu. E meu avô queria que eu nascesse logo. Mas tão logo foi embora. Ficou em essência com presença constate pelo discurso de minha mãe.

Tia Edna quer que a gente seja qualquer coisa, desde que a gente seja feliz e esteja por perto. E o cólo de tia Edna é o mais macio do mundo. Ela é imensamente confortável. É unanimidade em termos de tia, tanto que mesmo morando longe toda a nossa infância, sempre se manteve na preferência de todas as "levas" de sobrinhos.

Tia Rosa é uma das pessoas mais curiosas, verdadeiramente autêntica. Andava de sandália de "pneu ligítimo", acordava a gente cantando as 5h da manhã para tomar banho frio e reeditava sempre o mesmo horóscopo que só tinha 2 signos: o de mamãe e o de papai. E todas as refeições eram enfeitadas pelas gracinhas dela. À noite, dançava com todo mundo. E mamãe tinha o sorriso aceso para ela, tão ou mais irmã do que papai.

Hoje é aniversário do meu tio Hercílio. Quando eu nasci ele era magrelo, com os cabelos fartos contraventores a lei da gravidade. Ele me levava para ver o peixe boi. Depois andávamos de moto. E depois estudou comigo física e matemática. Depois ele se mudou. E a gente mantém uma comunicação telepática bem atuante, complementada pela embratel. Todo mundo sabe que ele é o careca, de bigode, mais bonito do universo.

Quando eu chego em Recife, fico no aconchego de minha mãe, e como com ela sempre. Passo um dia na "garupa" do meu pai, deito no colo de tia Edna, tomo sorvete com tia Rosa e escuto vovó falar que eu nasci azul. E sempre tio Hercílio liga para saber onde eu estou.

ALEA JACTA EST

"se eu quiser falar com Deus tenho que me aventurar ... caminhar decidido pela estrada que ao findar vai dar em nada (nada nada nada...) do que eu pensava encontrar" (GG)

"Alea jacta est": disse Julio César há anos atrás. Referia que a sorte que estava (e sempre esteve) lançada – ninguém sabe aonde... Esta expressão foi consagrada como uma importante decisão, tomada após complexa reflexão, cercada de riscos, onde não há mais como voltar atrás. Concluo, portanto, que fala da vida. Cada momento, novo, irreversível, alguns irremediáveis, outros simplesmente em andamento, dinâmicos como tudo na vida. Todos os dias, a sorte está lançada.

Levando a palavra ao francês, "sortie" seria saída. E não deixa de ser sorte uma saída boa de uma situação qualquer. Enquanto sorte seria, em francês, "chance". Miscigenando as duas línguas, como boa brasileira, eu concordaria mais uma vez que a chance não deixa de andar junto da sorte.

Seria uma grande sorte ter uma chance de encontrar outras saídas.

Viver, em seu eterno mistério, é continuamente esquecer-se de que a sorte está sempre lançada sem que nunca se saiba onde. Mesmo quando se acha que não se precisa dela. É o caminhar sem saber o que ou quem se vai encontrar.

O ser humano, destituído de presas ou garras, criou defesas subjetivas, imaginárias. Heis que estas, por fim, tornaram-se mais fortes do que as do leão, do tigre e do jacaré. Todos estes, hoje em dia, em risco de perder seu habitat para o animal mais biologicamente vulnerável, com filhote de crescimento lento, que vive a conjecturar e elocubrar sobre o que nem se sabe ao certo se existe ou não.

Muito embora nunca se possa voltar atrás (é que o tempo não permite), nenhuma decisão é irrevogável na vida, além da morte. Mas em geral ela não é literalmente uma decisão. Tudo muda – inevitavelmente. Mas no jogo de mudar de ponto de vista, continuo sem saber bem porque os seres humanos, tão biologicamente frágeis, potencializam tanto sua capacidade de criar e alimentar problemas, sofrimentos. Curiosamente ainda mais quando pensa que o está driblando.

Eis que a sorte foi lançada – ninguém sabe aonde. E de fato, existem mil saídas – mas nem todas chegam lá. Quantas chances...

Texto editado em 15 de julho de 2001, por Danielle Rodrigues, reatualizado 27 de março de 2006, por Hermengarda Batista.

"decidi começar a viver já que você não me quer mais" (RR)

Experimento Russo

Esta é uma homenagem, um pouco atrasada, ao artista mais heterogêneo, capaz de fazer um rock sobre a geração coca-cola, uma música em latim, uma trova medieval... falando de uma geração com referências demais para ter um referencial.

Neste ecletismo de temáticas e ritmos, e estilos, sua marca permanecia inconfundível. Assim como sua voz: abissal! Renato Russo deveria ser mesmo, não um experimento da NASA, mas um furto sideral de astronauta russo.

"tenho andado distraído, impaciente e indeciso, e ainda estou confuso só que agora é diferente: estou tão tranquilo e tão contente. Quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria era provar para todo mundo que eu nao precisava provar nada pra ninguem"

"quero me encontrar mas não sei aonde estou, vem comigo procurar algum lugar mais calmo, longe desta confusão e desta gente que não se respeita, tenho quase certeza que eu não sou daqui"

"já não me preocupo se eu não sei porquê as vezes o que eu vejo quase ninguém vê"

"parece cocaína, mas é só tristeza... temores nascem do cansaço e da solidão, descompasso, desperdício"

"quando você deixou de me amar aprendi a perdoar e a pedir perdão"

"você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo. São crianças como você: o que você vai se quando você crescer"

"quando o sol bater na janela do seu quarto lembra e vê que o caminho é um só.Por que esperar se podemos começar tudo de novo agora mesmo?"

"Venha, meu coração está com pressa, quando a esperança está dispersaSó a verdade me liberta. Chega de maldade e ilusão. Venha, o amor tem sempre a porta aberta e vem chegando a primavera Nosso futuro recomeça: venha, que o que vem é perfeição"

INTOXICADOS DE REALIDADE


por: Hermengarda Batista


Na minha rua, mora uma "comunidade" de mendigos. Todos os dias, realizam todas as atividades diárias à expectação do público. Tem uma família com uma mulher grávida, o pai "de agora", dois filhos, além do gestando. E na outra esquina, moram 3 homens. Inclusive um deles, nos dias de chuva, monta uma barraca de "camping". E todos criam cachorros. Inclusive o menininho mais velho tem um filhotinho preto. Todos com suas respectivas coleiras.

Então outro dia destes, vendo a comunidade canina aumentar, fiquei pensando: o que leva um mendigo a criar um cachorro amarrado na coleira?


A globalização muda os valores e massifica o sujeito. A individualidade passa a ser uma tela, onde se projetam valores e identidades mercantilizadas, vendidas como sendo próprias ou adequadas. A geração televisiva tem uma relação diferente com o mundo e com os sonhos, com o tempo, com o descartável. A intimidade com a tela muitas vezes é maior do que com a própria família.

Mas naquela "comunidade" não tem nenhuma tela: TV ou computador, ou qualquer outra manifestação de projeção de uma realidade virtual. Mas isso já está impregnado...

Diariamente eu assisti antes de acreditar que aquela realidade, praticamente cinematográfica, não era uma projeção de minha fantasia.

Lembrei de uma conversa com um amigo, falando em seu pai: ganhava "x", e trabalhava "x", e com este "x", tinha uma casa própria e uma casa de praia, criou 5 filhos, tinha dois carros, numa época em que as pessoas não costumavam ter carro, e ele estudou em colégio público, porque eram melhor que os "privados".

E hoje, ele ganhava "x/2" para trabalhar "2x". E que eu ganharia "x/4" para trabalhar "4x", e quando eu pedisse demissão, pelas condições de trabalho ou pelo salário, teria uma multidão fazendo fila para trabalhar "8x" por "x/8".



Então eu me vejo, trabalhando em condições "privadas", ganhando mal como todo mundo, para me organizar e começar a pagar um carro "mil" em 36 prestações e um apartamento de um quarto em 60 prestações.

Eu sempre escutei que ideologia não enche barriga de ninguém. Mas entendo que este tipo de realidade esvazia progressivamente o prato.

Quantos "cachorros de mendigo" temos criado?

obs: quem quiser checar o endereço: Rua General Severiano, em Botafogo