sexta-feira, junho 12, 2009

CRÔNICA DE FUTEBOL PARA LEIGOS

Mais um jogo de futebol: Sport e Flamengo. Tudo pra ser um jogão. Apesar de meu pouco entendimento em futebol, eu tenho fama de ser “pé quente”. Então, sábado já me pediram para trocar o maracatu pelo jogo.

Chamam com medo, pela dúvida de qual seria a minha torcida, já que todo mundo sabe que eu sou do time do “quem me levar, eu torço”. Mas na realidade, eu tenho meus princípios. Eu não torço pelo náutico, e como não adianta torcer pelo santinha, na imensa das vezes, eu torço mesmo pelo Sport.

Tem alguns times que eu simpatizo mais. E gosto mesmo é dos bons jogadores. Sigo a filosofia do meu tio, que o importante é ver o bom futebol. E graças ao meu “pé quente”, na hora do almoço, já recebi o segundo convite, desta vez do meu primo, na frente de papai, que pela primeira vez na vida, me olhou com decepção.

Papai relembrou, taciturno, que ninguém deve perder tempo com futebol. Eu contra-argumentei: “papito! Eu sou fisiatra... tenho interesses profissionais...”. Mas ele continuou decepcionado. Enfim: vamos ao jogo.

Já que se vai ao jogo, meu espírito carnavalesco predomina. A parte pernambucana da minha alma, foi fortalecida pela localização geográfica. E apesar da minha simpatia pelos urubus, eu estava totalmente leonina.

Mais vestida de vermelho que de preto, eu participava espontaneamente de todas as manifestações efervescentes da torcida. E, como sempre, continuei fascinada pela exuberância de cores, sons e alegorias da “torcida jovem”.

Numa época de corações pasteurizadas, o fenômeno futebol é uma sucessão de manifestações emocionadas, que vão da euforia à indignação, da celebração à revolta. Nem os assaltos, assassinatos, as criancinhas nas ruas, pagamento do IPVA ou imposto de renda indigna tanto a coletividade como o time adversário.

Cerca de 15% da torcida eram de flamenguistas, em sua maioria paraibanos - veja bem! Eu realmente estava com medo de perdermos, porque neste momento, eu já era totalmente Sport – para o desconsolo do meu pai, se estivesse presente.

Entram os times: o Sport alegremente saudado com seus jogadores tamanho P e M. E o flamengo, entre vaias e ovações, ostentava uns 4 ou 5 jogadores tamanho G, além do imperador Adriano, extra-G.

Até eu com minha miopia reconhecia Adriano de lá de cima das cadeiras. Como diria o filósofo meu pai, “o cabra é truculento mesmo”. Começa o primeiro tempo. Eu, que meu pai não saiba nunca, já comecei a sofrer.

Nos cinco primeiros minutos, um gol do flamengo. A auto-estima da torcida foi fortemente abalada. Logo depois, o segundo gol do flamengo. A nossa auto-estima desce ao submundo dos inconsoláveis.

A indignação era palpável. Tinha um desequilibrado do meu lado, que eu já estava com medo de sobrar pra mim. Mesmo porque meus guardiões estavam com os olhos no campo e os ouvidos no radio de pilha, alheios demais para me defender.

No futebol vale tudo. Inclusive jogar. Mas um dos expedientes mais utilizados é o recurso da falta. Qualquer motivo é motivo pro cara cair no chão se contorcendo. Eu inclusive acho que eles treinam rolamento.

Ai chega uns e outros, com uma maca mágica, e ungüentos de pajé (ou água benta, conforme a religião), que passam na perna do gravemente acidentado em contorção. Assim ele melhora milagrosamente.

Se ele se contorceu mais, às vezes, removem. E ai vem o próprio mago, e opera o milagre maior. Ah se esta moda de mago pega... Eu mesma queria tratar meu ombro também.

Comentei isso com um jogador profissional, ele enquanto ele me dizia que era sério, que os ungüentos resolviam mesmo, ele ria com um riso tão descarado que era quase uma confissão de culpa.

E falta pra cá, falta pra lá... Assim todo mundo joga. Até eu.

A galera do Sport estava meio anestesiada. Não sei se a presença do Imperador os deu a sensação de súditos. E estavam também com problema de mira. A bola, quando chutada, passava longe Todo mundo se atira atrás do poder redondo. E eu já estava totalmente hipnotizada pelo jogo.

Para mim, o tiro de meta é como se fosse o uivo do quadríceps. É a eficiência máxima da função do chute. Mas a pessoa livrar a bola com a cabeça, realmente, é preciso ter, antes de tudo coragem. Só fico pensando na dor de cabeça do dia seguinte. Mas o mais lindo é o drible: o cara brinca com a bola entre as pernas, como se ela conhecesse o caminho. Fico pensando como devia ser o drible de Garrincha.

E ai: gol do Sport! Nossa... Nem tudo está perdido. Daí há pouco, na verdade, daí há pouquíssimo: outro gol! O futebol é mesmo o jogo do inesperado.

Nada é mais lindo no futebol do que o gol do time da gente. É uma emoção visceral, na realidade. Uma expressão instintiva. E apesar do meu coração não albergar time nenhum, ele já tinha se mudado do peito pra garganta. E latejava lá, entaladinho.

Ai, o problema de mira passou do Sport para o flamengo. Mas o jogo continuava, acirrado. Todo mundo empenhado. E o Imperador parecia mais um grão-vizir, na retaguarda, pesadão, entrando nos momentos críticos, assustadoramente. Teve uma hora que ele abriu os braços: até eu estremeci. Imagina o cara do lado.

Duas vezes, ele se utilizou do recurso da falta, se atirando sobre o pobre jogador tamanho M esquálido do Sport: quase um soterramento. A terra tremeu e tudo – sem exagero nenhum, obviamente.

Mas o fato é que veio o terceiro gol: do Sport – graças a Deus! Nem acreditei quando veio o quarto. E nem assim, o coração desceu da garganta para o peito. Ai veio o intervalo.

Respiramos nem tão tranqüilos, porque no futebol, tudo isso vira uma questão de honra.

Segundo tempo. O coração continuava na garganta. E o jogo se mantinha. Um jogador do flamengo aproveitou o vácuo do deslocamento do adversário para se atirar no chão, de forma que caiu após 30 segundos do outro.

E manteve-se estirado, se contorcendo por cerca de 5 minutos. Corroborando a minha teoria, foi critério de retirar do palco e levar aos semi-bastidores, onde o mago realiza o milagre da cura e o cara sai, depois de mancar por mais 3 segundos, e jogando milagrosamente recuperado. Ai se eu descubro este ungüento...

Teve um gol do Sport, que estava em impidimento, que segundo o filósofo meu pai, “é uma maneira injusta de dificultar o jogo” e Sylvia diz claramente que impidimento é sinônimo de roubo. O fato é que o gol, impedido ou não, foi lindo...

Continua o jogo, animadamente. Em meio às faltas, teve muitos dribles, muitos tiros de meta – tudo lindo. E o meu medo do imperador, aos poucos, foi diminuindo. A má distribuição, que não é exclusiva da renda, foi evidente: 6 gols no primeiro tempo e nenhum gol efetivo no segundo.

Mas a fúria dos torcedores, independe da vitória ou derrota. Saem proferindo ameaças aos jogadores adversários, muito embora estejam todos ausentes. Nem parece que ganharam. Meus amigos dizem uma boa forma de conhecer o outro é escalando: o estádio é outra forma.

A minha última observação é que Adriano está muito pesado, graças a parte pernambucana de Deus. Mas enfim: ganhamos. E não teve imperador que desse jeito.