quarta-feira, dezembro 23, 2009

Esperando o mimo

Eu realmente tinha muita coisa pra fazer, mas era terça à noite, eu não ia pedalar porque minhas costas estavam travadas, e minha alma, coitada, sólida...

Liguei pra Ju e chamei pra ir a uma apresentação de música clássica no mosteiro de são Bento. Ela estava indo pra missa, mas a proposta sacro-musical apeteceu sua alma, e combinamos às 21h. Terminei de atender meu último paciente às 20h – daqueles grátis, que todo mundo reclama, inclusive eles. E fomos.

Eu adoro Juju. É uma pessoa de caráter firme e alma leve, com valores muito parecidos com os meus. Mas olhando assim de fora, somos muito diferentes. E neste dia, estávamos especialmente díspares.

No caminho, Ju me perguntava onde eu vi este evento . Eu tinha visto no jornal de domingo que ia ter a comemoração de aniversário de 187 anos de uma faculdade que eu não sabia qual era. Típico de mim, decorar o detalhe sem o sujeito da frase.

E por incrível que pareça, tinha recebido email com esta informação. Li no guiapernambuco. Enfim, chegamos em Olinda. Lotada de carros estacionados. Pelas bênçãos, arrumamos uma vaga ótima, na frente da prefeitura.

Descemos do carro: eu de calça de cordinha, camiseta e chinelo e Juju toda arrumadinha de sapatilha dourada e “cinto do Batman” – minha amiga com super poderes.

Caminhávamos pela calçada, sob noite perfumada, com as almas mais leves, em vias de retornar ao seu estado evanescente de origem, quando observamos as carrocinhas vendendo cerveja e uma batucada totalmente ao fundo, na direção de nosso destino.

Mais perto: e a igreja estava fechada. Tinha um palco na frente, tocando música afro e a galera escutando. Todo tipo de gente, uns de paletó, outros de chita e turbante.

Nada mais profano. Ninguém sabe o que é mais confiável, se é a minha cabeça ou a rigidez das programações olindenses. Nada contra batucada, todo mundo sabe disso.

Mas é que estávamos “em outra”. Em seu bom humor corriqueiro, Juliana, tirada da missa para o batuque, ria esperando alguma explicação.

Mas quem explica o óbvio, cai no ridículo! Fiz nova proposta: vamos comer sanduíches estranhos na licoteria. Caminhando no sentido contrário. Pedimos. Depois de cerca 20 minutos, avisaram que não tinha pão. Também não tinha mais quiche. Também não tinha mais nada. Nem o jasmim da esquina.

A velha lojística olindense para eventos. A estas alturas, nossas almas já estavam gasosas. Então, vamos tomar sorvete na ribeira. Olhando as casas, planejando morar em alguma delas, projetando sonhos nas calçadas luminosas. A sorveteria estava aberta mas vazia, porque o dono jogava dominó na praça da frente.

Viu que chegamos, chegou sem pressa. Escolhemos conversando sobre o evento, assim como quem quase nem se importa mais. Porque na verdade, a amizade é uma linguagem mágica que constrói pontes entre os mundos. Todos os que se mostrarem disponíveis, vão ter alguma interseção. Sentamos na praça.

E a gente conversando sobre os mistérios profundos e interligados ao caos da mente humana. Tem problema não. Em setembro, começa a MIMO, o movimento intergaláctico de musica em Olinda, com as igrejas abertas para todos os tipos de músicas e gentes de todas as “marcas” à solta na cidade.

Enquanto isso, a noite clara se desenhava por trás das copas floridas que emolduravam as casas centenárias, bem cuidadas e cheia de vida. O céu de estrelas e nuvens traquinas. E a alma já estava fluida, como tem que ser para ser viva.

O microfone

Meu tio é o pai de Yasmin, a nossa sideral mirim. Ele é um cara muito interessante. Super culto e inteligentíssimo, é totalmente capaz de gastar rios de dinheiro com livros, para ler sobre todas as civilizações, sobre a história e política dos lugares, mas é incapaz de viajar até eles. Não gosta nem de sair de casa.

Apesar de desafinado de família e sem ritmo para dançar, ele sempre gostou de música. E tem muito bom gosto. Assim, ele tentou bastante aprender algum instrumento.

Lembro de quando ele tentava aprender flauta, e a família toda, inclusive quem nem morava lá, como a gente, reclamava. Até um dia que ele saiu na esquina, e a vizinha (aquelas casas de vila, que até as paredes são socializadas) disse: “melhorou muito na flauta, não foi, meu filho!”. A despeito da tentativa de elogio, ele sentiu-se tão envergonhado que desistiu do assunto.

Hoje ele baixa as músicas pela internet. Baixa os filmes também. E quando você pergunta a ele, alguma coisa qualquer, ele explica tudo com fundamentos científicos, reais. Porque o que ele gosta mesmo é de ficar em casa, lendo e estudando.

A chegada de Yasmin ao mundo, transformou meu tio. Em tudo. Mas ela é o oposto dele. Adora sair de casa, ir na “casa dos outros”, desde 4 anos, quer ir a África ver girafa e elefante. Quando vão a alguma festa, só quer sair quando a música acaba. Adora ir ao cinema. E todo fim de semana, ela quer sair de casa, nem que seja pra ir na casa de alguém.

Ela adora cantar, muda a letra das músicas e canta com um microfone imaginário. E quando você pergunta alguma coisa, ela inventa logo uma história, totalmente surreal.

Exemplo disso é a história de chapeuzinho vermelho, onde o lobo comeu a ração do gato (inédito) da chapeuzinho (única função era ter o gato) e o caçador foi dar uma lição de moral no lobo.

A única coisa que se pode concluir é que a genética da menina foi enviesada: era para ela ter sido minha, obviamente.

Mas, como todo pai que quer ver no filho seu desejo realizado, ele resolveu botar Yasmin numa escola de música perto de casa. Afinal, ela é totalmente musical. Ela foi, a professora conversou muito com ela (conversar também é outra especialidade dela), apresentou-lhe vários instrumentos, e perguntou: “qual você gostou mais, Yasmin”.

E ela respondeu: “o microfone!”

Em casa

Todo mundo conhece minha avó azul! Realmente, ela é uma figura ímpar, como também é ímpar tudo o que ela tem. Sobretudo a casa, que é cara dela.

Esta casa é um ambiente que freqüento desde que nasci. Foi lá que me colori pela primeira vez, logo depois de ter nascido, graças a uma telha azul que ficava bem no meio do telhado do quarto.

Nestes anos todos, já assisti várias reformas, todas arquitetadas por vovó e cegamente executadas por algum pedreiro. Hoje em dia, a casa tem mais nada do plano original.

Para exemplificar esta linha arquitetônica, quintal é todo encimentado e tem uma meia parede – meia no sentido horizontal e no sentido vertical. Detalhe: revestida de pedras. Serve como divisória entre a área de serviço e um chuveiro, ao lado do qual tem um espaço vazio, que poderia ser um armário, mas ia ser um jardim. E neste buraco, jaz uma janela que se comunica com o quarto – para melhorar a ventilação.

Se você não entendeu, não tem problema. Problema era se você tivesse entendido!

Sábado de manhã, fui a um evento incrível. Acompanhei minha mãe para comprar móveis novos pra casa de vovó, que disse, “pode gastar”. E mamãe foi comprar tudo com designers avançados, tons modernos e tecidos especializados.

As pessoas sempre acham que é muito fácil se acostumar com o que é bom. Mas o conceito de bom e de felicidade, nem sempre segue a lógica do senso comum.
Seguindo o conceito de belo na arte (“tudo o que choca”), a casa de voinha e o finado Micheal Jackson, após todas as plásticas, eram dois fenômenos de beleza artística. Algo em torno de um caranguejo num aquário ajulejado.

Porque o lugar do caranguejo é na lama. Enquanto o porco se refresca, o carangueijo se cria na mesma lama, que sai do mesmo buraco. E esta lama de uns é argila para outros.

À revelia da honra à memória dos pais e do apreço ao futuro dos filhos, a visão da lama e do caos depende da essência de cada um. O importante é ter harmonia, ser autêntico e se sentir em casa.

OLINDAMENTE LINDA

Minha história com Olinda antecede a emergência de Herme ao mundo. Todos os meus amigos “das antigas” têm alguma história para contar comigo lá.

Na época de faculdade, Olinda tinha menos policial que poste aceso - que eram poucos. Mas eu era destemida, adorava ir caminhar lá à noite, por causa do sol. Meu anjo da guarda era concursado e bem relacionado, porque ninguém nunca levou um escorregão comigo lá.

Eu adorava explorar as cruzes das igrejas, que eram muitas. A preferida era a da igreja de São Francisco. Um dia que tinha um “despacho” e os meninos tiraram várias fotos com as velas pretas.

Pular o muro da Igreja da Sé para dar a mão ao Jesus que tinha lá dentro foi outro episódio. Teve um outro dia, eu levei Vivian, totalmente aristocrática, de sandália plataforma e vestido longo, para ver se Carlinhos finalmente conseguia ficar com ela. A coitada passou a noite pra morrer de medo. No dia seguinte, ela ria e dizia que eu não tinha jeito.

Um domingo à noite, que eu levei mais 7 mulheres, algumas de salto, para bater foto “como se estivéssemos voando” no muro.

E quando mamãe teve meningite, eu fiz a promessa de subir a misericórdia 10 vezes. E até pra isso, eu arrumei companhia. Em duas prestações: eu subi as 10. Mas um subiu as primeiras cinco e o outro as outras cinco.

Quando eu me lembro, duas coisas me chocam. Alem de destemida, eu tinha umas idéias totalmente surreais – sempre sóbria. Pena que eu mudei. E o mais impressionante: sempre conseguia adeptos.

Eu e o vilão caminhávamos com Garcia Marquez e Descartes. Levei a galera pra segunda “october fest de Olinda” - acreditem, tem isso lá! E quando voltava do Rio de férias, era clássico ir com Saulo comer tapioca, sentar na esquina e arrumar alguma festa lá. Uma delas terminamos na praia, que de tão poluída, fedia. Ficamos esperando Hermengarda chegar.

O fato é que sexta feira entardeceu lindo, o céu espalhava lilás pelo mundo. E tudo o que eu merecia era sentir o cheiro de noite, sentada na calcada, de short e chinelo, ou seja: Olinda. Arrumei uma cúmplice, porque a gente tem amigo pra tudo na vida.

A proposta era começar comendo tapioca na Sé. Mas estava interditada. E Rita não queria nem subir um degrau, quanto mais uma ladeira da misericórdia... então, a opção foi comer sanduíche de ricota com gengibre e castanha – tinha no cardápio da licoteria.

Pela primeira vez, eu pedi uma cerveja. E pra tomar sozinha. Detalhe que não sabia pedir cerveja, nem as marcas eu conhecia, pedi uma boemia, porque achei o nome adequado.

Cortaram o jasmim da esquina. Mas ainda assim a noite continuava cheirosa e a conversa amena. Terminamos de comer exatamente quando chegou a seresta. Era ordem de seguir.

A seresta de Olinda segue a lei orgânica das coisas de lá: não tem regras. Gente de todas as idades, tanto no público quanto na orquestra. Tinha uma senhorinha com o violino que atravessou o mar vermelho seguindo Moises na infância, e um adolescente com o violão que não conhecia o chorinho “lamento”.

Toca-se de tudo: rancheiras, boleros, chorinhos, valsas, rock, forró e brega. Ela vai parando, com ou sem motivo. Paramos na prefeitura, por nada. Descemos o largo para entrar na (rua) pitombeira, e este declive faz com que o quintal da casa de esquina fique há uns 5 ou 6 metros de altura.

Neste quintal, abria os braços um ser, possivelmente maluco, provavelmente aditivado, enrolado num xale, ainda em dúvida se era Ícaro, Jesus cristo, ou um maestro. E a galera da orquestra na dúvida se ele ia voar, ou ia cair – porque em Olinda, né? Como ele não fez nem uma coisa, nem outra, a seresta seguiu.

Mais embaixo, parou de novo. Não sei o porquê. Tocou “pedacinhos do céu”. Rita, que conhece mais letra de música que eu, nem sabia que esta tinha letra. E como ninguém cantava, além de mim, num rompante de otimismo e amizade, ela achou que eu estava inventando a letra – quem dera...

Andamos mais 2 metros, e um cara parou pra sambar, e a seresta parou para reverenciar o samba dele, que, por pouco fôlego, não chegou ao meio da música.
Chegamos à igreja de são Pedro, onde começa e termina a seresta. Depois de um brega, terminou com um frevo – Olinda... Seguimos nós, pela (rua) Prudente, tomamos sorvete.

Encontramos uma galera jogando dominó e escutando rock, outro maluco escutando um daqueles estupros musicais e dançando só. Subimos a ribeira, sob os lírios e jasmins perfumando a noite, e ouvindo gracejos de uns menores de idade.

Eu acho que minhas idéias eram frutos de um espírito que abarca a alma das pessoas que realmente vivem Olinda. E ai todo mundo “recebe” a entidade, e adota as idéias como se fossem lúcidas.

O fim da ribeira chega no largo, olhamos Recife de longe – isso também é vicio do espírito de Olinda. Voltamos pra casa em paz, com a alma cheia de calçada, de música, de cores, de perfumes, enfim, com a alma cheia de vida.

DIA DOS AMIGOS

Hoje é o dia dos amigos e também faz 40 anos que o homem foi a lua, acreditou tê-la conquistado, e ela continua sem ser de ninguém, enquanto a Terra está cada dia mais super-lotada.

Considerando que não estamos muito satisfeitos com as leis vigentes neste planeta, mal freqüentado e mal administrado, e que a lei da gravidade, principal aliado do tempo, lá é bem menos rigorosa, sugiro que nos mudemos todos para lá.

Inclusive tenho ate esperanças de ser uma boa escaladora com os menores rigores da lei.

Retomando a conquista da lua, saliento que foi necessário ir lá para descobrir o óbvio: a Terra é azul! Será que ninguém tinha antes visto o céu?

Então, sugiro a todos que leiam uma contribuição inconsciente de Drummond, (os homens: as viagens) praticamente uma bússula, já que antes da lua, o primeiro mundo a ser conquistado é o nosso próprio!

SÁÚDE É PÚBLICA?

por: hermengarda cavalcanti

Estou aqui muito bem sentada, tomando meu café, escutando o nosso “ilustradíssimo” ministro da saúde, Temporão, falando sobre a gripe ex-mexicana, ex suína, ex etc, sobre os investimentos que estão sendo dispensados, no mundo, para elaborar vacinas e comprar medicação para tratar os já doentes brasileiros.

Fala inclusive da importância do diagnóstico pelo exame.

Orienta - como se morasse em Marte, ou algo do gênero - que os gripados que não tem plano de saúde, procurem os hospitais públicos. Observa-se facilmente que a figura em questão não sabe o que é um hospital público, nunca deve ter ido nem como paciente nem como profissional e nunca nem deve ter visto no telejornal.

Provavelmente se passou na frente de um, não se lembra.

Acho muito louvável que a gripe esteja sendo encarada com tanta seriedade. E fico feliz. No entanto, fico pensando, porque não há esta presteza no fornecimento de medicamentos para diabetes e hipertensão, por exemplo, que além de já existirem, tem vários infinitamente mais baratos. Menos ainda nos exames, que os pacientes já diagnósticados e graves, passam meses, aguardando.

Felizmente, o programa de tratamento e prevenção do HIV no Brasil é modelo para o mundo. Infelizmente, a prevenção do alcoolismo é totalmente negligenciada. O álcool, além de causar outras doenças, como problemas de coração, é outro fator de risco para AIDS, por questões óbvias.

E propaganda é o que mais tem! Inclusive como patrocinador de festas populares do próprio governo.

Outros problemas tão graves de saúde pública oneram muito os custos da saúde, como fumo, dependência química, depressão, obesidade e diabetes. Também são confusamente abordadas, quando o são. E uma sai puxando a outra.

Na realidade, a gente vive vendo propaganda dos programas do governo, mas ninguém vê propaganda dos riscos da obesidade, da prevenção de diabetes. Mas de cerveja...

Proporcionar a saúde, teoricamente, nunca dá dinheiro pra governo nenhum. É um gasto. No entanto, fico eu a pensar: quem lucra com que doença no Brasil?