quinta-feira, fevereiro 14, 2008

DIA DAS CRIANCAS
por: Hermengarda Batista

Estou voltando para casa quando vejo uma enorme lua plenamente cheia, redonda boiando num céu azul claro – hoje e amanha, serão as maiores luas do ano. E me lembrei do filme do Rei Leão, que abordou delicadamente a lealdade e a culpa (de Simba acusando injustamente) como fator paralisante diante dos projetos de vida.

No entanto, a despeito de toda a lição de moral altruísta, levou três processos. Um da comunidade islâmica porque reclamaram que a lua próxima do leão "do mal" era parecida com o símbolo do islã. Outro da comunidade gay porque acharam que o leão "do mal" tinha trejeitos e ainda um terceiro por racismo, porque o leão "do mal" era mais escuro.

Enfim, nunca se viu um vilão tão vilão em toda a historia das fabulas infantis. E o filme, graças a isto, deu prejuízo.

Na verdade, as fábulas e historias infantis são criadas por adultos para abordar temas complicados, subliminares ou não, de uma forma lúdica, objetivamente para as crianças e subjetivamente para os outros adultos. Com exceção, é claro, dos contos de fada onde o encontro do amor perfeito, ao invés ser o começo, é literalmente o fim de tudo, com o famoso "e foram felizes para sempre", mas ninguém sabe como.

Algumas historias, em especial, monopolizam minha cabeça nestes últimos dias coloridos.

Primeiramente, o Pequeno Príncipe. Apesar de ser quase compulsório das listas de livros preferidos das "mocinhas modelo-atriz-cantoras", a história é linda. Tive oportunidade de ler aos 23 anos, e ate hoje, em momentos cruciais, decisivos ou reflexivos, sempre me voltam a mente a imagem do cara contando dinheiro indefinidamente sem ter onde gastar, do outro acendendo e apagando as luzes do planeta, sem parar para ver o sol ou as estrelas, do geógrafo que não dava importância a flor e não via diferença entre o vulcão ativo e o extinto.

Lembro dele toda vez que preciso reagir, para que a vida não fique mecanicamente vivida, com emprego ao invés de profissão, figurantes ao invés de pessoas. Sem encanto ou magia, a vida se resume a uma dia-a-dia, com episódios de insônia no meio.

Depois, eu chamaria Peter Pan. Soube que o nome Pan faz alusão a uma figura mitológica da floresta. A terra do nunca é habitada por crianças que voam, vivem mil aventuras, enfrentando piratas e crocodilos e nunca vão crescer, não vão a escola, não tem deveres, responsabilidade ou cobranças.

Para os adultos, alem da sutileza a iniciação sexual de Wendy, dos ciúmes doentios da fada sininho, o foco principal é o medo de Peter Pan de sentir, e sentindo, virar adulto – como se fosse só isso. Peter Pan simboliza talvez todos os adolescentes – e muitas recaídas nossas – onde parecemos confiantes, fortes e corajosos enquanto disfarçamos inseguranças e medo de solidão, do tempo, da insuficiência. E na fabula, sem perceber, todos vão assumindo figuras de referência como pai, mãe e filhos, das quais tem aversão, medo e provavelmente desejo.

Como infelizmente a nós, não é facultativo crescer, pagar as contas e envelhecer, estes medos são pilares de nossas construções, sejam elas físicas, morais ou abstratas.

Depois chegou Shrek. Os sonhos de Fiona, os protótipos de beleza e perfeição, a perseguição do medo dos pais, aventados pelos próprios fantasmas, das falhas históricas, como o rei que, no fim das contas, era sapo. E sobretudo, a vergonha da realidade, de ser o que é. O eterno conflito entre os projetos embutidos pela sociedade e as conquistas que realmente se harmonizam com a sua essência que faz a gente se sentir feliz e livre apesar da realidade e do tempo.

Nem todos os sentimentos cabem nas palavras. E mesmo os que cabem, muitas vezes transbordam das palavras para a magia, o encantamento que transcende a realidade e faz a vida valer a pena.

Por isso, aludindo o dia das crianças, solicito que todos os siderais, incluindo nos duas, olhemos mais céus azuis, luas encantadas, com mais magia e esperanca. E quem sabe, apesar de adultos, um dia, consigamos voar!