sexta-feira, maio 16, 2008

A saga do vilão suicida – segundo capitulo

Por: Hermengarda Batista

Todo mundo no espaço sideral, e várias pessoas na crosta terrestre, conhecem a saga do vilão suicida. Pois bem: eis que a entidade vilonesca submeteu-se a cirurgia e foi um sucesso. Ficou muito bem acolhido por toda a família, incluindo eu – que na atual conjuntura dos fatos, já faço parte também.

E esboçou fazer uma resposta a minha primeira carta de apelo, onde começava falando que recebeu um anjo totalmente despreparado. Este fato é totalmente verídico, haja vista que eu era um cupido. E esta afirmação é totalmente comprovada pelos tantos namoros e casamentos que já amadrinhei (curiosamente esta palavra existe).

Muito provavelmente não quiseram gastar um anjo da guarda de verdade com um reles vilão, totalmente inofensivo. Acontece que neste mundo louco, sobra gente. Praticamente não tem mais vaga.

E um pobre anjo cupido como eu, atuando em desvio de função como anjo da guarda, além de estar lotado em função diferente da original, ainda está sobrecarregado. Não bastasse eu estar na forma humana, desalada (sem asas mesmo) e sem transpassar paredes, ainda tenho uma quantidade vultuosa de gente louca, graves, muitos com tendências a suicídio disfarçado, uns depressivos outros maníacos, mas todos indisciplinados.

Isso inclui os descadeirados, amputados, descolunados, os abandonados, órfãos, alcoólatras (grupo grande este), os andarilhos, os dependurados nas montanhas – todo tipo de gente para um pobre anjo da guarda a força tomar conta. Ou seja, sou um anjo sobre-carregado, quase a beira do colapso. Quero deixar isso bem claro.

Então o vilão se operou. Foi para aquela casa enorme e animada, cheia de gente e de quarto. Ficou em casa, lendo, cercado e paparicado pelo público familiar e amigos, se sentindo o próprio pop-star. Praticamente dando autógrafos. Inclusive recebeu cartas de toda a coletividade da família e trabalho, solicitando ao vilão que parasse de fumar – quem quiser ver, fique a vontade.

Passei 15 dias me ocupando com minha outra protegida. Uma semana pré-operatória, onde ainda atuei no meu vilão, e outra semana pós, onde me dediquei exclusivamente a ela. Ontem, chego a casa desta criatura irregular.

Ao primeiro abraço, sinto logo o cheiro da nicotina entranhada no corpo do ser humano. E ao perguntar veemente, ele responde com desfaçatez (porque este vilão não mente): 10 cigarros por dia. Alegando que isso é praticamente nada – o que me leva a não querer nem pensar quantos ele fumava antes.

E então, começo a conversar fiadamente, com toda a família, que na atual conjuntura dos fatos já é quase minha também. O vilão se retira cara-de-paumente (esta palavra realmente não existe), volta com aquele odor nicotínico e ainda pergunta como eu descobri que ele fumou.

Então, eu quero só comunicar: em caso de eu ser desativada, destruída ou retirada de circulação por fracasso como anjo da guarda, eu quero dedicar, calorosamente, o meu colapso anjelical ao meu vilão!
Agora se sabe que ele é um vilão de verdade, da categoria anjicida!

RESPOSTA DO VILÃO
Aqui fala um vilão injustiçado por um anjo NEEHEHEHEM UM POUCO EXAGERAAADO!!!!!!

Tá certo que sou um vilão com um monte de defeitos de fábrica (o primeiro é não saber ser vilão) e outro monte de defeitos de uso, mas não é tão bem assim!!!! Tá certo também que amo meu anjito prá caramba, mas isto nunca quis dizer (em tempo humano algum) que amar não dá um trabalho danado.
Pra começar, meu anjo é do tempo mais-que-perfeito, eu do pretérito-do-futuro-imperfeito (fiquem certos de que este tempo existe - é o hoje troncho) e esta mistura dá um caldo doido que só vilanjos entendem o trabalho que dá. Pois então vejam só: pra meu anjo -10 = NADA, ou seja OU TUDO OU NADA. Agora digam: dá pra valer? Acho que só no céu!!!

Pra segundar, eu digo pra meu anjo que não temo morrer, e, isto passa imediatamente a significar: MEU VILÃO QUER MORRER!!! Pois então agora digam de novo: dá?

Pra terceirar, sou tabaquista (não confundir com atabaquista que é quem toca atabaque) há mais de trinta anos, ou seja, quase só penso movido a tabaco. Eu sei que, hoje, fumar é uma tabaquice (adjetivacação de atabacado que por sua vez nada tem a ver com a profissão percussionista), mas... não dá pra ficar... assim... sem pensar, de uma hora pra outra!!! Isso leva tempo...

É claro que espero conseguir antes de morrer (principalmente prá ficar sem pensar mas cheiroso como a maioria gosta e sem mancha nos dentes pra sorrir branquinho, ainda vivo). Mas meu anjo quer que eu, sem pensar, fique sem pensar a-tabaco (ou seja, sem tabaco) JÁ, ou melhor, DESDE FAZ TEMPO.

Pra quartar e finalizar, é claro que quem quer que um vilão faça TUDO ISSO... ASSIM... TÃO DE REPENTE... é porque ama. Eu mesmo fico todo besta com isso e achando que não mereço um anjo que dá tanto trabalho. Fico amando mais ainda e dando mais trabalho.

MAS... MEU ANJITO LINDO... (agora é só com você) AINDA VOU TE APERREAR PRA CARAMBA... E... AINDA MAIS... VOU DAR MUITO TRABALHO SEM CHEIRO E MANCHA DE CIGARRO... VIVO E BULINDO.Beijosvilão

MATUSALEM SE FOI...

por: Hermengarda Batista

Para quem não conhece, Matusalém é meu computador.

Quando eu ganhei Matusalém, ele já era um computador “coroão”, vamos dizer assim... Dentro de seis meses, ele virou um computador geriátrico. A medida que os dias iam se passando, os antivírus ficavam mais avançados, e conseqüentemente pesados, consumiam mais a memória do coitado.

A memória continuava inalterada. Porém, em relação aos programas, cada dia era menor. Isso é: uma diminuição relativa. A estas alturas, batizei de Matusalém: convicta de que viemos eu e ele, “de duque”* (termo mais antiquado impossível), na arca de Noé. A princípio, ele possuía tudo o que eu sabia usar e algo mais.

Só que ele foi ficando cada vez mais lento. Tão lento até que parou – é obvio que eu não sabia ajeitar. E precisou reinstalá-lo várias vezes. E a alternativa terapêutica era manter o mínimo de programas possível. E assim, na atual conjuntura, o msn é tão básico que nem foto tem. E ele demora 10 minutos para ligar, mesmo só tendo Word, antivírus e PDF em sua lembrança vaga.

Todo mundo já perdeu a paciência com ele. Inclusive eu, por vezes, tive ganas de visualizá-lo num percurso vertical do 16o andar ao térreo. O pior de todos os episódios foi quando Rafael me trouxe o vídeo de Raul, raríssimo. E Matusalém não sabia nem do que se tratava o programa.

No entanto, agora, na despedida, quero fazer considerações abstratas.
Há dois meses, a senhora minha avó, dona Elvia, me deu um liquidificador que ela comprou no ano que eu nasci e até hoje a única coisa que quebrou foi o copo. Ela já trocou. As lâminas, o motor, os botões, continuam os mesmos. Lembrando ser ela uma pessoa anarquicamente organizada, conclui-se que ele sobreviveu com louvores por mais de 30 anos.

Ela ainda me disse, entre risos, que eu o dê a minha primeira neta quando ela nascer. Vale salientar Zezé, pessoa organizada, tem igualzinho ainda com o mesmo copo que nunca quebrou nada.

Eu já vi rural rodando na rua. Para quem não sabe o que é rural, é um carro mais velho que eu. E me pergunto: onde estarão os carros zero de hoje daqui há 30 anos.

A industria produz cada vez mais coisas, que duram cada vez menos. O bom é o lançamento, que já será ultrapassado em seis meses. O celular com mil funções que se usa 1% do tempo, quebra até com o vento e consome a bateria em menos de um dia. O computador de marca boa que vira jurássica e unaminamente motivo de piada em menos de 2 anos. O carro que tem injeção eletrônica, motor não sei lá de que, portas não sei como e que com um ano já deu muito defeito.

A tecnologia, em conformidade com as relações humanas, deslumbra-se apenas com a novidade. E teme o real. A real utilidade das coisas saiu de foco. Era uma vez a realidade com suas desigualdades, disparidades, regras de convivências, sempre burladas... resta apenas as únicas leis irrevogáveis: a lei do tempo e a lei da gravidade.

Através da realidade, se constrói os fatos, que encadeados, formam histórias, nem sempre totalmente belas. E serão tanto mais feias e amargas quanto descuidadas da realidade em prol do novo ilusionário, fadado a durar pouco para dar lugar a outro novo, o mais precocemente possível.

Mas é a história que dá o valor das coisas e imprime os sentidos – cheiros, sons, sabores – na retórica. Cria-se laços, a despeito dos defeitos, já que todo mundo tem. E faz com que, não esquecendo dos erros, aprenda-se com eles. Ou seja, a história é imprescindível ao aprendizado.

E a história se despede até do que não prestou. O que não é puramente o caso de Matusalém. Meu velhinho já me proporcionou muitos momentos de confraternização, pesquisa, aprendizado, fofocas e boas notícias. Agora, ele sai da história de incendiar as saudades, causar risos e criar raivas, para entrar na história.

O novo vai se chamar Hércules. Resta saber se eu vou saber usar.

* quem não souber o que é “de duque” pergunte a alguma avó. Talvez nem ela saiba. Isso significa chegar com o par de braços dados.