terça-feira, dezembro 19, 2006

O MAIS NOVO DESCARTADO

Meu celular faz de tudo: tem uma agenda, câmera fotográfica... tem coisa que eu nem sei para que serve. E de tanta coisa, me atrapalho de usar. De tão auto-suficiente, descartou a dona. Apagou vários registros meus, de suma importância, enquanto eu tentava pela enésima vez, mudar-lhe o som do despertador. Hoje, o que impera é o "desejo" dele.

Olho para aquele "ser" pequeno: deveria, primordialmente, servir para me comunicar com meus queridos. E diante de tantas funções, justo esta é a que me falta. Confiando na memória dele, negligenciei a minha. E estou aqui tentando resgatar números, prisioneira do meu "desnecessário".

Então, divago...

Desde a pré-história, o ser humano aglomerou-se – por sobrevivência e por instinto. A aglomeração formou idéia de relações sociais, existente até entre os insetos... com o crescimento e a manutenção deste aglomerado, num ser menos irracional que os outros, formaram-se as relações sociais, e posteriormente, econômicas.

O mercantilismo sempre existiu desde o escambo. No entanto, a medida que o aglomerado cresce, cada indivíduo deixa de ter um valor essencial. É mais facilmente substituído. Enquanto vivos, perdem a identidade, a individualidade.

Este processo culmina no capitalismo: o império do descartável. Sempre tem algo mais novo, mais rápido, com mais memória, com mais vantagens. Sempre se incita o consumo, ainda que este seja desvinculado da real necessidade, e até mesmo do que gera prazer.

O prazer é consumir, ter, ter o novo.

Nas relações inter-pessoais, isso obviamente se repete. À medida que se perde a importância como pessoa, se contabiliza como mais um número. No mar de contabilizações, pessoas passam a ser vistas como bens. E as escolhas, que teoricamente seriam mais fáceis, tornam-se mais complexas.

Há uma instabilidade constante. A insegurança das escolhas diante da possibilidade de ter alguém que lhe ofereça mais vantagens, mais facilidades, mais flexibilidade, menos limites, menos vínculo.

O compromisso é uma forma de se expor a estar abrindo mão do novo, do que pode vir a ser. E simultaneamente ao risco de ser o velho, descartável, ultrapassado, sem vantagens. Há eterna insatisfação exposta, e uma eterna insegurança imposta, íntima e atroz. Diante de todas estas propostas, a vida passa. E o que fica, quando o tempo torna traz o inevitável?