sexta-feira, julho 02, 2010

Histeria ou Talento?

CINE-PE 2010: HISTERIA OU TALENTO?

por: hermengarda cavalcanti

O cinePE sempre foi um grande atrativo pra mim. Eram vários filmes, bons diretores, conhecidos ou não. A gente chegava no teatro, escolhia o filme que ia assistir, todos no mesmo lugar. Curtas e longas, de vários tipos, inclusive animações.

Eu geralmente assistia a todos, com ou sem companhia, tendo ou não com quem comentar. Até os documentários, que é um gênero que eu não gosto muito, eu assistia.

Os diretores adoravam a platéia animada e lotada, que tinha o hábito de bater palmas para os melhores filmes. Bater palmas para filme é estranho, mas se você considerar que estavam ali os atores e diretores, era um prestigio imenso.

Eu gosto de trocar de mundo no cinema. Entro ali e respiro aquela atmosfera. Passava a semana inteira envolvida no evento. Eu saia da realidade de um filme para realidade do outro. E até o festival acabar, eu tinha conhecido vários mundos.

No entanto, com o passar do tempo isso foi mudando. Muitos pararam de vir porque queriam exibir seus filmes no “circuitão”, e como a platéia do festival é muito grande, toda concentrada no mesmo lugar, eles, com muita visão de futuro, achavam que diminuiria a bilheteria.

Quando voltei a morar em Recife, preparei meu coração para o novo festival. Ledo engano: tudo diferente. É que com o advento do cinema digital, qualquer pessoa um pouco mais ousada confunde histeria com talento e faz um filme.

E assim foram nos anos seguintes. Mas este ano, mais uma vez, apesar do coração desconfiado, eu fui de novo ao cinePE. No primeiro dia do festival, ia ter a apresentação do “Bem amado”, por Guel Arraes.

E então a platéia estava lotada. Chegamos cedo e nos sentamos para assistir Graça Arraes, como que saída de algum filme de animação, apresentar, com os cabelos laranja, muito parecida com o “penteado” do pica-pau, os sapatos de plataforma alto como Margarida (do pato Donald) e as roupas acompanhando a natureza do sapato.

No primeiro dia, eu cheguei há tempo de assistir a apresentação dos diretores. A primeira, de Santa Catarina, apresentou o filme “Tanto”, que ela dedicava aos seus próprios pais, onde uma mulher matava o marido. Depois teve um filme nordestino muito bom, “La trás da serra”.

O diretor do “Bailão” falou bastante emocionado: “Um filme sobre sobreviventes! Sobreviventes da caretice, da ditadura de direita e de esquerda”. Eu, e todo mundo, achamos que era um filme político e inovador, que ia avaliar a ditadura de direita e de esquerda. Ledo engano.

O filme era bom e realmente inovador. Eram depoimentos e relatos de homossexuais sexagenários, falando sobre suas vidas, as próprias dificuldades internas de enfrentar a sociedade e as estratégias que usaram. Muito bom. Mas, diante do depoimento do diretor a respeito do próprio filme, eu me pergunto se foi ele mesmo quem fez o filme, ou mesmo se chegou a assistí-lo.

Depois dele, teve uma comédia paradoxalmente chamada “o filme mais violento do mundo”, onde um produtor ensinava o cara como fazer um filme para ter muita bilheteria. E depois, o filme mais deliberadamente paradoxal, “Recife frio”. Conta a história de quando Recife súbita e inexplicavelmente congelou, chegando a ter pinguins. Terminou com a foto do Capibaribe congelado. Maravilhoso.

A segunda foi um dia que me fez lembrar os velhos tempos, e me fez querer ir novamente. Mas logo na terça, já fui conduzida à nova realidade. Apesar de “O homem mau dorme bem” ter sido ótimo em tudo, o “Cinema de guerrilha” adormeceu até aos atores – que eu vi, eles estavam ao lado!

Mas, no dia seguinte, talvez pela má qualidade de sono, revoltaram-se com os comentários da crítica, que foram muito mais leves que os meus. Referiram preconceito porque era um filme feito por suburbanos.

Na realidade, este foi mais um episódio onde confundiram histeria com talendo. Passaram mais da metade do filme filmando depoimentos que, a pretexto de serem espontâneos, foram incoerentes, repetitivos e melodramáticos, isso tudo, dentro de uma Kombi, que além de se movimentar, era escura. Todo mundo ficou tonto: auditiva e visualmente.

Em seguida, filmavam as oficinas de cinema deles, cheio de histéricos com idéias exibicionistas, ainda acharam tempo para fazer uma cena com apelo sexual. Faltando 30% do tempo para terminar o suplicio, eu tinha convicção de que eles não tinham mais o que falar.

Então, roubaram a câmera deles. Suspeito que o roubo foi um sinal dos céus para que eles parassem de se acharem “cineastros incondicionais”. Mas a falta de talento e coerência era tanta que permaneceram mais 30% do tempo falando do roubo da câmera.

Ainda insistir em ir outros dias. Ainda cheguei a ver um filme cheio de globais e efeitos especiais ruins, igualmente péssimo de forma geral. E ao fim do festival, eu já não tinha mais “disponibilidade interna”. Fiquei com a impressão de que, além de ousadia, é preciso não ter senso, desde senso crítico até senso de humor, para fazer certos filmes.

Apesar de não estar concorrendo, a estrela do festival seria o “Bem amado”, transformado em filme por Guel Arraes, que não dá ponto sem nó! Só escolhe roteiro consagrado pelo público e só filma com elenco global, haja vista consegue patrocínio de toda a coletividade. Até dos inimigos políticos de sua família contribuem. Porque em política, você é hoje, e amanhã, nem Deus se habilita a saber.

Guel Arraes, tio do atual governador, foi homenageado. E falou aos repórteres: “eu filmei o bem amado... é uma sátira política. Mas como a gente é amigo da política hoje, não queria falar mal de político. Ai tentei fazer o bem amado saindo desta parte”.

Pensei logo: o que a pessoa não faz por patrocínio... isso deve ter ficado uma merda. Mas não: ficou bom. Até porque para ficar ruim, tinha que ter deturpado muito a obra de Dias Gomes.

Eu cheguei ao mundo depois da novela, mas assisti a mini-série. Pra quem tem a visão do “Bem amado” anterior, este realmente está bem aquém. Mas não dava para fazer num filme, os requintes da mini-série, menos ainda da novela.

Mas a obra, depois de tanto tempo, é realmente surpreendentemente atual. Nanine, nosso querido pernambucano, deu vida ao prefeito corrupto, que corrompia até o vocabulário. Tentava desesperadamente inaugurar o cemitério, sua única obra em todo o governo, onde as covas eram tão pequenas que o defunto tinha que ir em posição fetal.

Depois de mais de 30 anos depois, a nossa vida política continua exatamente a mesma e continua mau freqüentada. Nossos governantes continuam falando muito sem dizer nada, sem se privarem de atentados clássicos à língua portuguesa, dizendo muita coisa que não se escreve, e escrevendo muita coisa que não sai do papel.

E continuam fazendo obras, que, por motivos “pessoais”, continuam deixando a população sem ter nem onde “cair morto”, sem “campo santo” para seus estados de “defuntice compulsória” após as “agravidades da vida”, como diria Odorico Paraguaçu.

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