sexta-feira, julho 02, 2010

As Crianças são de Plástico

As crianças são de plástico

por: hermengarda cavalcanti

Estava indo caminhar no parque, e no caminho, vi uma cena muito curiosa. Uma criança, com uns 4 ou 5 anos, de capacete, caneleiras, cotoveleiras e tênis, sobre uma bicicleta com duas rodinhas de apoio.

Ia com o pai do lado, que rebocou a bike quando a calçada ficou mais irregular, a despeito de toda a proteção. Caso não o fizesse, seria considerado um pai desnaturado, na atual conjuntura dos fatos.

Eu me lembro de minha primeira bicicleta. Era vermelha, e tinha rodinhas de apoio também, com prazos pra tirar. Prazos este que eu queria antecipar para não fazer feio no meio da vizinhança, porque este método de aprender a andar de bicicleta com duas rodinhas, era bastante conservador.

Tinha outro método, menos conservador, também conhecido como “ladeira abaixo”, em geral, supervisionado (ou proporcionado) pelo o pai ou representante familiar masculino – já que mãe não sabe fazer isso.

Mas ainda havia outro método ainda menos conservador, que era o usado pelo meu pai e contemporâneos. Seria o “ladeira abaixo”, com bicicleta de adulto, geralmente conseguida sem o consentimento do dono da bicicleta e escondido da mãe do aprendiz.

Porque nesta época, as bicicletas eram como as casas, passavam de avô pra neto. Eram verdadeiras relíquias. Rodinha de apoio não existia em bicicleta de adulto. E quando tinha algum proprietário de bicicleta muito legal, ele emprestava pro amigo, escondido do dono oficial – o pai ou o tio.

Meu pai conta, entre risadas, um destes episódios onde ele pegou a bicicleta de algum adulto, e além dela não ter freios, a ladeira tinha muita pedra. O que lhe custou um “pedaço de pele”, daqueles retalhos que obriga a gente a andar curvado. Mas ele tinha que andar todo espigado pra mãe dele nem perceber que ele tinha de machucado.

De vez em quando, alguém se machucava. Geralmente, não era nada grave e nem deixava traumas ou fobias. Mas hoje, como não sabem nem cair, as crianças se machucam rotineiramente. Brincar é um perigo, ainda mais nos parquinhos.

É uma surpresa ver uma vaca. Até de galinha elas têm medo. De areia também. A menina de seis anos reclamou que o mar é muito salgado. Hoje em dia, até as comidas são embaladas para sujar menos. Porque quando suam, querem logo limpá-las.

E neste contexto, onde ser criança é perigoso e sujo, a primeira coisa que se machuca é a alma.

Assim, as crianças com dois anos, não sabem ler, mas já sabem manipular um mouse, ligar um DVD e usar um controle remoto. Sentadas em suas poltronas confortáveis para não machucar seus pequenos glúteos cobertos ou não de grandes coxins adiposos, brincam e se exercitam numa realidade virtual.

Basta olhar a evolução de hipertrofia muscular dos nossos super-heróis que chegaram aos dias de hoje: o super-homem, o Batman... até os macacos estão com músculos incompatíveis com suas anatomias – todos hipertrofiados.

A realidade virtual se aproxima da nossa, é só com o que não devia ser mostrado pra uma criança: jogos violentos, mega- violentos, na verdade. Tem um que a pontuação é pelos crimes cometidos, desde espancamento a assassinato, passando pelos furtos. E outro que se chama “crime organizado". Tem até a pontuação no Orkut.

O humano, cada dia mais fragilizado, cria um avatar cada dia mais poderoso. Enquanto vivem aventuras aladas, super-poderes e valores adaptáveis, temem pisar nas calçadas irregulares da vida e sentimentos inesperados, que fazem a alma descer ao inferno e subir ao céu, mesmo sem ter asas.

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