sexta-feira, julho 02, 2010

SAO PEDRO, CHAVES E CHUVAS

por: hermengarda rodrigues cavalcanti

Hoje é o dia de são Pedro, o último santo comemorado no ciclo das festas juninas, que são juninas mas começam em março, com são José. São Pedro é o santo padroeiro dos pescadores, por ser pescador e guarda a chave dos céus, pra quem não sabe, o céu deve ter uma chave.

E pensando na chave, se reza pra são Pedro pedindo, além de chuva, casa.

Não se sabe bem o que aconteceu. Alguns alegam que há um fenômeno de desabamento progressivo do céu, que começou no sudeste. Outros afirmam categóricos que São Pedro está com ciúmes de Dunga e seus 23 companheiros. Ciúmes ou continuidade, o fato é que o mês de junho, em Pernambuco e Alagoas, teve tanta chuva que há quem diga que viu Noé manobrando a arca.

Desta vez, foi a maior precipitação dos últimos 40 anos. Choveu tanto que o fluxo do rio Una aumentou mais de 20 vezes. No entanto, mesmo sem tanta chuva, todo ano é a mesma coisa. Dá até pra reeditar as imagens do ano anterior nos telejornais de agora!

Todo ano é assim. Os barrancos caem, os morros desabam, rios enchem e pontes, já em ruínas, terminam de ruir. A sociedade se organiza para mandar agasalhos e mantimentos para os desabrigados, abrigados em igrejas e prédios públicos ainda de pé.

Este ano ainda tem o alento da copa, para os que já perderam tudo, alegrarem seu coração na esperança de ganhar a copa. Ainda que isso não mude em muito, para não dizer em nada, a realidade dos fatos.

Depois das chuvas pararem, novamente, vão juntar o quase nada que restou com o pouco que foi doado, para começar do pouco ou quase nada. E neste pouco ou quase nada, não cabe a memória. A memória deve ser a primeira a morrer nas tragédias. Até porque, se todo mundo se lembrasse de tudo, ao fim de 4 anos, no começo das primeiras chuvas, todo mundo se suicidava.

E esquecidos do passado, remoto e recente, vão juntar os trapinhos e procurar algum lugar. Pra quem não tem nada, pode ser qualquer lugar: o que restou, o que sobrou de alguém, uma invasão, uma encosta, a beira de rio.

Mais uma vez, pela falta de tudo, inclusive lixo, vão se esquecer de novo e começar a jogar as coisas no rio, nas ruas, nos bueiros. Alguns vão comercializar as tampas de ferro dos bueiros. Vão furar um poço, fazer uma vala, que deságua à céu aberto, e fazer “um gato” de gás e energia de alguém.

Uns acham que é tirar de quem tem para que não tem nada. Outros acham que o que é do governo não tem dono. E outros, acham que roubar o governo não tem problema porque la só tem ladrão. Tirar de quem tem para que não tem nada e burlar o governo, já que só tem ladrão mesmo lá.

Porque estão esquecidos também que o governo é o Estado, que representa, antes de tudo, cada um do “todos nós”.

Quando chover de novo, todos já estarão, além bem esquecidos, localizados. Mas vão ter motivos sólidos e líquidos para se lembrar de tudo. Cada um na sua esfera.

Os ricos se lembram dos engarrafamentos, das reuniões perdidas, das safras estragadas, dos carregamentos deteriorados, dos funcionários impedidos de chegar, as propriedades rurais avariadas, enfim, das oportunidades perdidas e dos prejuízos econômicos.

Como diria minha amiga Taíza, ninguém nunca ouviu falar de desabrigado do Morumbi ou de Ipanema.

A classe média, além dos engarrafamentos, vai se lembrar dos danos nos carros, do elevador que parou, das quedas de luz que queimaram eletrodomésticos, dos descontos do trabalho pelo atraso para bater o ponto. Depois das chuvas, vão continuar “acariciando” os pneus dos carros nos buracos herdados das chuvas.

E a base da pirâmide, os pobres, sobretudo os miseráveis, vão perder suas casas, chorar seus mortos, se acidentar nos escombros, desenterrar seus pertences, contabilizar seus restos, se contaminar nas cheias, ser socorrido nos hospitais lotados e mal equipados, ser quantificado nos dados e, por fim, comparecer as urnas. E começar tudo de novo.

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