segunda-feira, dezembro 01, 2008

SURTO ASTRAL

Conforme os meus conviveres já puderam constatar, há umas 4 semanas, estou meio fora do meu eixo normal: umas atitudes estranhas, dissociadas de minha política financeira, dietética e etc. Toda semana, tem mais de uma. Há suspeitas que eu esteja numa versão esquizofrênica do "inferno astral". Seria um surto astral.

Até agora, felizmente, nenhuma que causasse dano irreparável ou deixasse alguma seqüela permanente. Digo permanente porque, na verdade, a ante-penúltima desta semana, que foi a pedalada do domingo, me deixou o joelho inchado, a perna toda "engatilhada", usando tensor, mancando e sem poder sentar. "Aproveitando" as férias para fazer fisitoerapia.

Mas na eminência do fim das férias, a vigência da falta de paciência que me é peculiar e da indisciplina cósmica que rege minha alma (sagitariana), mesmo tendo convencido meu amigo Bruno, neurocirurgião, a fazer a infiltração dos meus pontos gatilhos sob minha própria supervisão e maestria, em ele demorando, eu iniciei.

Acordei de manhã, abri um pacote de agulhas, me sentei e comecei. Não sem um certo constrangimento. Face lateral da coxa, medial da coxa, peguei alguns da posterior (pense num malabarismo), a panturrilha e seu rosário de "contas" em forma de músculo contraturado. So faltou mesmo os da região glútea (haja vista no nosso projeto de circo, eu ia ser trapezista e não contorcionista) e um da panturrilha que não se soltou de mim – apesar de todos os meus esforços.

E segundo a amiga de Rodolfo que diagnosticou o coração quente e úmido dele, o mais importante do agulhamento é a troca. E a menos que eu estivesse metade branca e metade azul...

Então, heis me aqui: desocupada, a espera de Dr Bruno, com as pernas doloridas. Como me disse um amigo: provando do meu próprio veneno. E andando de lá pra cá, já parcialmente refeita, fiquei aqui esperando saber o que mais me falta.

Me lembrei de minha amiga totalmente fora da órbita, de quem as últimas notícias que tive foram de uma completa falta de senso: resolveu um casamento para mim com o filho de uma paciente dela mesma (que moram todos em Brasília) e eu soube disso por que, por puro acaso, ela encontrou minha irmã e comunicou-lhe de minhas núpcias. Quem sabe, a qualquer momento, eu não recebo o convite do meu próprio casamento? Outra amiga nossa, que foi a um congresso em Brasília, me avisou que minha "sogra" está doida pra me conhecer. Doida deve estar mesmo. Ou quem sabe, deve ser.

Lembrei de outro amigo, muito querido, que resolveu fazer (literalmente) a reforma da casa dele, incluindo o teto rebaixado. E o ajudante de pedreiro (ele) é a esposa dele. Fui lembrando carinhosa e retrospectivamente dos meus amigos. Um por um. Só escapou Bruno, que so tem amigo louco, incluindo os dois acima citados.

Pensei em ligar para mamãe, para ela me internar – isso já com medo de, depois de tantos gastos que eu cometi em tão pouco tempo, começar a rasgar dinheiro. O que seria uma prova inquestionável de loucura.

E ai, fiquei imaginando: se eu resolvesse "me entregar" agora? Meu aniversário ia ser lá no hospital da tamarineira, naquela casa enorme, cheia de palmeiras, mas só ia ter malucos novos. E que meu amigos, provavelmente, se fossem a minha festa de 33 anos, com raríssimas exceções e belíssimas atuações teatrais, conseguiriam escapar de lá.

Então, resolvi tornar o texto anônimo, deixar minha mãe alerta. E continuar do lado de cá. Porque obviamente que isso não é culpa minha. É óbvio que é uma desorganização astral, desmantelando minha "revolução solar". Quem sabe até por um asteróide fora de prumo, prestes a desviar o eixo da Terra. E quem sabe o mundo não se acaba, e eu não posso está presa em canto nenhum.

FREVO BARROCO

Desde que me entendo de gente pernambucana, eu sei que frevo não se escuta: se sente. Tem uma célebre música que diz "entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé". Esta é uam das verdades absolutas do carnaval.

Tem vários tipos de frevo. Se fosse para dividir pelo tipo de bloco, tem dois. O frevo de rua é tocado pelos blocos com estandartes (verticais) e metais pesados (instrumentos de sopro metálico e percussão) – como "ceroula", "tou maluco", "a corda". É o frevo incendiário, que você sai num bloco, quando vê está em outro.

E tem o frevo de bloco, que é tocado em blocos com flabelo (horizontais) com instrumentos de "pau e cordas" – o bloco da saudade, cordas e retalhos, aurora do amor. É aquele frevo das terças de janeiro, dos blocos enfeitados de fantasias primorosamente coloridas, o frevo do cansaço, da terça de carnaval à noite. O frevo que aconchega sem deixar de lhe levar com ele.

E cada grupo deste, tem várias classificações internas. Mas sempre que se fala em frevo, a gente sabe que o corpo vai ser tomado por um som, elétrico ou não. E dançar é um ato involuntário. E quando vê, já está dançando.

Ontem, foi a primeira vez que vi na vida de carnavalesca, que eu vi um show de frevo introspectivo. Era o último show do trabalho de três anos de Antonio Carlos Nóbrega, que deu muitos frutos durante a comemoração "multi-anuária" do centenário do frevo.

Este chama-se "9 de fevereiro". Começava com uma iluminação diáfana para a banda de pau e cordas, com dois instrumentos de percussão, em harmonia com a atmosfera relaxante do evento. Falando assim, ninguém imagina um frevo. Mas era...

A banda vestida com roupas de algodão regional, tinha vários bandolins, baixo acústico, violão e viola, e depois, um acordeon. E os músicos, com formação erudita e identidade cultural – como em todos os shows dele.

Porque ele é um artista completo. Não bastasse dançar e cantar, compor e promover os tantos outros artistas e compositores das raízes pernambucanas, ele ainda faz uma pesquisa cultural com tanta dignidade e compromisso que emociona. E mantém um caráter circense em tudo o que ele faz.

Mas este show foi diferente de todos. Ao som de uma suíte de Bach, em sua versão original, ele dançou um frevo-ballet, acrobático, numa composição de movimentos de invejar capoeristas e bailarinos. Foi uma adaptação maestral.

Era um espetáculo do ufanismo da cultura, levado aos extremos da beleza. Era como se o frevo passasse para uma outra dimensão: a dimensão do olhar. Sem invadir nossa alma – haja vista a trilha sonora era Bach.

Ninguém que veja consegue duvidar: a constituição corpórea dele não é como a nossa. Deve ter osso de borracha, articulação com mola e amortecedor. Eu, como fisiatra, tenho certeza.

E para coroar a criatividade, fez um frevo barroco - quem imagina um frevo barroco? Tem que ser praticamente um São Tomé auditivo: ouvir pra crer. Dançou caboclinho como se as pernas fossem flâmulas - porque caboclinho exige isso. E depois, porque frevo é frevo, saiu puxando o bloco pelo teatro, com as marchas clássicas do nosso carnaval. Letras centenárias, que até as crianças cantam, nem que sejam pedaços.

Eu nasci na Bahia, amo o Rio de Janeiro, mas nestes momentos, eu sinto, assim como sinto frevo, que pertenço a Pernambuco, com amor no coração e lagrimas nos olhos, muito embora resida o frevo nos pés.

DE PAI PARA FILHA: O RAUL NOSSO DE CADA DIA

Meu pai já me deu muita coisa na vida. Algumas tipo "mastercard" e outras, impagáveis. Uma delas foi o violão. Eu aprendi a tocar violão com papai, quando o pai dele adoeceu, e ele emagreceu e emudeceu. Eu interagia pelo violão. E depois, ele me deu o dele, o violão vinho, um Di Giorgio, de 1971, autografado, que hoje, voltou para meus braços.

Outro exemplo, foi Xodó. Eu comecei a andar a cavalo com papai desde o tempo que ele tinha que me segurar em cima do cavalo. Quando eu era adolescente, papai deixou eu andar em Xodó – o nome dele dispensa comentários... Eu me sentia o poder e a glória em cima do xodozinho do papai.

Teve umas coisas que eu herdei também. E outras não. Como dirigir. Apesar de ter aprendido a dirigir com ele, tirando o hábito de andar no meio das faixas, eu não dirijo como ele. Dirijo muito pior, é claro...

Mas herdei dele os pés super-sensíveis, que sofrem calo de qualquer sapato. O que nos afeiçoa aos chinelos e às botas.Também aprendi a andar de bicicleta com painho. E andava com ele na "bicicleta de dois": uma obra prima dele. Como mamãe não acertava andar só de bicicleta, ele soldou duas para andar com ela: uma monark numa caloi.

A bem da verdade, estas "adaptações" são marca registrada de meu papito.Mamãe chamava "armengueiro". Não sei se esta palavra existe, mas significa este espírito de constante adaptação improvisada, totalmente alheia à estética. Uma herança que me fez fisiatra. O importante é funcionar bem. E a pessoa ser magra, obviamente. Afinal, todo mundo funciona melhor magro.

Esta herança foi mista: tanto papai quanto mamãe participaram. A diferença é que papai faz discurso. Isso foi a trilha sonora de toda minha infância e adolescência: a retórica de papai sobre a banha alheia, ou "toucinho", como ele mesmo diria.

É outra herança, esta forma "estandártica" de falar. Partimos do princípio que uma imagem criada na mente através de uma descrição vale mais que um texto inteiro. Por isso, além das gírias habituais, nós inventamos mais outras.

A paciência também foi outra coisa. O nosso lugar de paciência na mente é milimétrico, por isso tudo tem que ser prático, sem demorar muito. E o pavio é curto. Mas esta questão do tempo é bem relativa.

Muitas vezes, fiquei esperando painho um tempão. E quando ele chegava, falava que estava trabalhando. Na verdade, tem umas coisas que ele resolve rapidinho, "pran e tchan" – no idioma dele. Mas outras, ele se perde. Basta dar um problema, e ele começa a raciocinar. Ai o tempo se senta.

E papai fica lá, inventando, recriando, raciocinando. Foi assim que ele transformou a forrageira num moedor de milho (ou soja?) e a carroceria do caminhão baú virou num misturador, na fábrica de ração totalmente improvisada.Há 15 dias, fui na casa de papai. E como ele não é muito bom de expressar sentimentos, falou assim como quem comenta qualquer coisa: pega o DVD do Raul.

O professor não sei de quê dele tinha o DVD, ele copiou um para ele e outro para mim. Enfim, era uma raridade.Engraçado é que, apesar de não me lembrar de nenhum fato ilustrativo, eu tinha a impressão que aprendi a gostar de Raul com papai. Então, estávamos lá, assistindo o DVD. O primeiro show, em Santos, em 1983, estava quase inteiro registrado.

Raul estava ótimo, com todas as idéias loucas concatenadas fazendo um sentido – dele, é claro. Fez paródias, trocadilhos, comentários... Depois vem uma entrevista dele quando acharam que ele era um falso Raul. Outro show, em 1984, ele já está bem aditivado, errando as letras das músicas. E outro onde ele mal se agüenta em pé e não acerta mais cantar – idéias saltatórias.

Depois, muitos flashs, entrevistas, imagens de shows... lindo.E eu e papai: vibrávamos com o show, tocando a guitarra invisível (cada um a sua), gargalhamos das maluquices dele e, sobretudo, sofremos com a sua decadência. Um do lado do outro, uma herança de pai pra filha, que passou sem nem perceber. Este foi mais um presente sem preço: o DVD com inscrições na alma.

Dia 07 de novembro é aniversário dele. E eu escolhi um presente bem cheio de "pra que isso" para ele tomar vinho com Lurdinha – que eles gostam. Até termômetro tem. E eu fico imaginando quanto tempo ele vai levar para dar uma funcionalidade "plus" (essa não é dele não) ao termômetro. Talvez uns 15 minutos...