segunda-feira, dezembro 01, 2008

FREVO BARROCO

Desde que me entendo de gente pernambucana, eu sei que frevo não se escuta: se sente. Tem uma célebre música que diz "entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé". Esta é uam das verdades absolutas do carnaval.

Tem vários tipos de frevo. Se fosse para dividir pelo tipo de bloco, tem dois. O frevo de rua é tocado pelos blocos com estandartes (verticais) e metais pesados (instrumentos de sopro metálico e percussão) – como "ceroula", "tou maluco", "a corda". É o frevo incendiário, que você sai num bloco, quando vê está em outro.

E tem o frevo de bloco, que é tocado em blocos com flabelo (horizontais) com instrumentos de "pau e cordas" – o bloco da saudade, cordas e retalhos, aurora do amor. É aquele frevo das terças de janeiro, dos blocos enfeitados de fantasias primorosamente coloridas, o frevo do cansaço, da terça de carnaval à noite. O frevo que aconchega sem deixar de lhe levar com ele.

E cada grupo deste, tem várias classificações internas. Mas sempre que se fala em frevo, a gente sabe que o corpo vai ser tomado por um som, elétrico ou não. E dançar é um ato involuntário. E quando vê, já está dançando.

Ontem, foi a primeira vez que vi na vida de carnavalesca, que eu vi um show de frevo introspectivo. Era o último show do trabalho de três anos de Antonio Carlos Nóbrega, que deu muitos frutos durante a comemoração "multi-anuária" do centenário do frevo.

Este chama-se "9 de fevereiro". Começava com uma iluminação diáfana para a banda de pau e cordas, com dois instrumentos de percussão, em harmonia com a atmosfera relaxante do evento. Falando assim, ninguém imagina um frevo. Mas era...

A banda vestida com roupas de algodão regional, tinha vários bandolins, baixo acústico, violão e viola, e depois, um acordeon. E os músicos, com formação erudita e identidade cultural – como em todos os shows dele.

Porque ele é um artista completo. Não bastasse dançar e cantar, compor e promover os tantos outros artistas e compositores das raízes pernambucanas, ele ainda faz uma pesquisa cultural com tanta dignidade e compromisso que emociona. E mantém um caráter circense em tudo o que ele faz.

Mas este show foi diferente de todos. Ao som de uma suíte de Bach, em sua versão original, ele dançou um frevo-ballet, acrobático, numa composição de movimentos de invejar capoeristas e bailarinos. Foi uma adaptação maestral.

Era um espetáculo do ufanismo da cultura, levado aos extremos da beleza. Era como se o frevo passasse para uma outra dimensão: a dimensão do olhar. Sem invadir nossa alma – haja vista a trilha sonora era Bach.

Ninguém que veja consegue duvidar: a constituição corpórea dele não é como a nossa. Deve ter osso de borracha, articulação com mola e amortecedor. Eu, como fisiatra, tenho certeza.

E para coroar a criatividade, fez um frevo barroco - quem imagina um frevo barroco? Tem que ser praticamente um São Tomé auditivo: ouvir pra crer. Dançou caboclinho como se as pernas fossem flâmulas - porque caboclinho exige isso. E depois, porque frevo é frevo, saiu puxando o bloco pelo teatro, com as marchas clássicas do nosso carnaval. Letras centenárias, que até as crianças cantam, nem que sejam pedaços.

Eu nasci na Bahia, amo o Rio de Janeiro, mas nestes momentos, eu sinto, assim como sinto frevo, que pertenço a Pernambuco, com amor no coração e lagrimas nos olhos, muito embora resida o frevo nos pés.

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