sexta-feira, maio 16, 2008

MATUSALEM SE FOI...

por: Hermengarda Batista

Para quem não conhece, Matusalém é meu computador.

Quando eu ganhei Matusalém, ele já era um computador “coroão”, vamos dizer assim... Dentro de seis meses, ele virou um computador geriátrico. A medida que os dias iam se passando, os antivírus ficavam mais avançados, e conseqüentemente pesados, consumiam mais a memória do coitado.

A memória continuava inalterada. Porém, em relação aos programas, cada dia era menor. Isso é: uma diminuição relativa. A estas alturas, batizei de Matusalém: convicta de que viemos eu e ele, “de duque”* (termo mais antiquado impossível), na arca de Noé. A princípio, ele possuía tudo o que eu sabia usar e algo mais.

Só que ele foi ficando cada vez mais lento. Tão lento até que parou – é obvio que eu não sabia ajeitar. E precisou reinstalá-lo várias vezes. E a alternativa terapêutica era manter o mínimo de programas possível. E assim, na atual conjuntura, o msn é tão básico que nem foto tem. E ele demora 10 minutos para ligar, mesmo só tendo Word, antivírus e PDF em sua lembrança vaga.

Todo mundo já perdeu a paciência com ele. Inclusive eu, por vezes, tive ganas de visualizá-lo num percurso vertical do 16o andar ao térreo. O pior de todos os episódios foi quando Rafael me trouxe o vídeo de Raul, raríssimo. E Matusalém não sabia nem do que se tratava o programa.

No entanto, agora, na despedida, quero fazer considerações abstratas.
Há dois meses, a senhora minha avó, dona Elvia, me deu um liquidificador que ela comprou no ano que eu nasci e até hoje a única coisa que quebrou foi o copo. Ela já trocou. As lâminas, o motor, os botões, continuam os mesmos. Lembrando ser ela uma pessoa anarquicamente organizada, conclui-se que ele sobreviveu com louvores por mais de 30 anos.

Ela ainda me disse, entre risos, que eu o dê a minha primeira neta quando ela nascer. Vale salientar Zezé, pessoa organizada, tem igualzinho ainda com o mesmo copo que nunca quebrou nada.

Eu já vi rural rodando na rua. Para quem não sabe o que é rural, é um carro mais velho que eu. E me pergunto: onde estarão os carros zero de hoje daqui há 30 anos.

A industria produz cada vez mais coisas, que duram cada vez menos. O bom é o lançamento, que já será ultrapassado em seis meses. O celular com mil funções que se usa 1% do tempo, quebra até com o vento e consome a bateria em menos de um dia. O computador de marca boa que vira jurássica e unaminamente motivo de piada em menos de 2 anos. O carro que tem injeção eletrônica, motor não sei lá de que, portas não sei como e que com um ano já deu muito defeito.

A tecnologia, em conformidade com as relações humanas, deslumbra-se apenas com a novidade. E teme o real. A real utilidade das coisas saiu de foco. Era uma vez a realidade com suas desigualdades, disparidades, regras de convivências, sempre burladas... resta apenas as únicas leis irrevogáveis: a lei do tempo e a lei da gravidade.

Através da realidade, se constrói os fatos, que encadeados, formam histórias, nem sempre totalmente belas. E serão tanto mais feias e amargas quanto descuidadas da realidade em prol do novo ilusionário, fadado a durar pouco para dar lugar a outro novo, o mais precocemente possível.

Mas é a história que dá o valor das coisas e imprime os sentidos – cheiros, sons, sabores – na retórica. Cria-se laços, a despeito dos defeitos, já que todo mundo tem. E faz com que, não esquecendo dos erros, aprenda-se com eles. Ou seja, a história é imprescindível ao aprendizado.

E a história se despede até do que não prestou. O que não é puramente o caso de Matusalém. Meu velhinho já me proporcionou muitos momentos de confraternização, pesquisa, aprendizado, fofocas e boas notícias. Agora, ele sai da história de incendiar as saudades, causar risos e criar raivas, para entrar na história.

O novo vai se chamar Hércules. Resta saber se eu vou saber usar.

* quem não souber o que é “de duque” pergunte a alguma avó. Talvez nem ela saiba. Isso significa chegar com o par de braços dados.

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