sábado, outubro 04, 2008

"manda uma real"

Conheci Ana Cristina na residência de fisiatria. Ela chegava chiquérrima, em cima do salto, para o ambulatório da segunda à tarde, enquanto eu ficava de jeans e rasteirinha. E ficamos prontamente amigas. Um belo dia ela me diz que vivia se escalando para sair comigo, ir ao forró na lapa, ir a forró, e eu não levava ela a sério. Enfim: fomos. Estava eu na esquina, de saia jeans e rasteirinha, chega Giovana de vestidinho e saltinho e Aninha chegou de calça social e saltão.

Segundo ela, porque eu realmente não me lembro, eu dancei a noite inteira e ela não dançou nenhuma música. A partir de então, ela comprou uma sandália de couro na feira, uma saia de forró, e monitorava a indumentária de qualquer amida dela que quisesse ir desavisadamente para a lapa.Uns dois anos depois, ainda me lembro, íamos para a casa de Zezé uma terça a noite.

Ela foi me contando de um fisioterapeuta que ligou para discutir o caso, e aproveitou o embalo, declarou-se e chamou-a para sair. Ele foi mais que claro, translúcido, praticamente incolor... E ela, apesar de assustada, aceitou. Até eu, mera ouvinte, me assustei. Marcaram para quinta, dois dias depois. Ele ligou 1 hora antes do combinado e ela já estava convicta que tinha levado um bolo.

Visualizo a cena relatada: ela deitada de pijama, falando que , como ele não confirmou (o combinado dois dias antes), ela foi ver um paciente e ainda estava atendendo. E neste exato instante, ele responde no legítimo e sonoro carioquês: "ah, Ana Cristina... fala sério, ae! Manda uma real!".

Acontece que, não bastasse ser libriana e mineira de nascença, seu espírito conciliador e diplomático foi doutrinado em todos os protocolos da geriatria. No dia seguinte, estava ela indignadíssima: "Manda uma real, Danitche?", que tinha outras maneiras de se falar a mesma coisa... Impávida, eu apenas afirmava que ela estava errada porque estava mentindo e que todo mundo fala gíria.

A dialética perpetuou-se até sábado, com participação especial de Flavinha, até 20 minutos antes do almoço, que ela ainda não sabia se ia. Imagine a cena: as três, em pleno SAARA, no centrão do Rio de Janeiro, discutindo as formalidades da marcação de um encontro, a alegação perobal das desculpas esfarrapadas e as respectivas reações aceitáveis.
- Ah Daninha! Isso não é jeito de se falar! Tenho certeza que a Giovana vai concordar comigo! "dá uma real"!? eu detesto quem fala gíria!
- Conversa, Ana Cristina! Eu falo gíria pa-ra-ca-ra-lho, ainda invento outras e tu me adora!
- mas eu não namoraria com você!
- graças a Deus! Mas você vai!

Ela foi! Silvio chegou no almoço do sábado de calça cargo, tênis e camiseta. E no mais puro carioquês, expôs suas idéias, suas posturas, sua paixão pela profissão e a sensibilizou profundamente. Depois, acompanhou-a até o carro.Na terça seguinte, conheci Silvio. Tinha um show no circo (voador) de uma "galera" de Pernambuco e cada um de nós vinha de um canto.

Chegamos todos simultaneamente atrasados apenas há tempo de escutar as duas últimas músicas: o show, incrivelmente começou na hora! Foi a primeira vez que Sílvio me agradeceu com o mesmo sorriso maior que a boca. E depois, abaixou-se, abrindo as pernas, para abraçá-la melhor: Aninha, toda delicadinha, no meio daquele abraço largamente autêntico e claramente apaixonado.

E ela me chamou num canto, contou, toda emocionada, que tinha ganho flores! Pois é, meu compadre é um homem à moda antiga: leva flores, abre a porta, puxa cadeira, troca pneu e resistência de chuveiro. Vale salientar que inclusive pediu autorização ao pai de Ana para morar com ela! Uma versão moderna do pedido de casamento: autorização paterna para fazer o "test drive", com sérias intenções de casar!

O romance foi se instalando, e no mais claro pernambuquês, cada dia eles estavam mais "engangado" um no outro. Perdi vários capítulos porque mudei da cidade maravilhosa para o centro do universo. Quando voltei em agosto, foram os dois me encontrar. Em março, chegam os dois aqui no centro do universo. Antes que a madrinha os buscasse, chegaram os dois abraçados na rua do futuro. Simbólico! E poético...

Passaram 4 dias. Aninha, elegante, passeava de saltinho sem perder a pose pelas ruas de calçadas, de mãos dadas com Silvio, de havaiana e jeans. Discorremos em várias temáticas, enquanto eu e Silvio trocávamos gírias, sempre referenciando o " dá uma real", Aninha sempre contra-argumentava.Então, agora, se celebra na sociedade terrestre uma união que já aconteceu entre os dois universos. Já foi inscrita em duas vidas e talhada em duas almas. Na delicadeza da realidade, buscamos uma forma autêntica de se falar em diferentes idiomas que o amor mandou uma real ao sonho, e ele se tornou uma realidade possível, que todo mundo pode constatar só de olhar pra eles!

Sou madrinha, com muita honra, por mérito, apenas no momento inicial. Mas eu sei que fui apenas um instrumento: já devia estar escrito no espaço sideral...

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial