Profissão: Maluco
Por: Hermengarda Batista
Ontem, reencontrei uma amiga que há tempos não via. Contou-me sobre um amigo em comum. O caso era o seguinte: o cara era um galináceo convicto, até que conheceu uma mulher, com um mês de namoro, resolveram morar juntos, com dois meses, resolveram casar e com três, celebrou-se a cerimônia civil e religiosa – até ai eu assisti.
No quarto mês (que era o primeiro de casamento civil e religioso), ela começou a ficar na dúvida se queria casar ou não. Enquanto ela devaneava a respeito, ele se contorcia de dor e angústia. Até que, passados alguns meses, ele resolveu ir embora (detalhe, da cidade, segundo detalhe, onde tinha um emprega concursado). Então ela resolveu que queria ser casada, e ele voltou, e viveram loucamente felizes para sempre.
Tenho sempre a sensação que o mundo tem vaga ilimitada para todo tipo de louco. E comecei a vislumbrar que o problema real é ter juízo. Não vou mais falar dos malucos do nosso entorno. Vou falar apenas dos malucos profissionais.
Vou começar com a minha atual amiga de cabeceira: Clarice (Lispector). Há um sem números de estudos sobre loucura e esquizofrenia baseado nos textos dela. E quem a lê, entende bem porquê. Além de escrever livros, ela tinha uma coluna no jornal do Brasil aos sábados, onde, a pretexto de falar de coisas cotidianas, ela exibia sua loucura semanalmente, falando desde do motorista de táxi, das copeiras, da caneta de ouro aos seus medos mais inusitados (até para ela mesma) e suas angústias. Pois bem, esta coluna, dada a aceitação, depois de manter-se por anos, fizeram um livro de coletâneas delas, que vende muito bem. E eu inclusive adoro.
Depois, vou falar de Raulzito – meu querido. Dispensa-se a maioria das apresentações. Sua música mais citada é exatamente "maluco beleza", onde ele diz que esse é o seu único caminho. E de que Raul viveria se não de sua própria loucura?
Arnaldinho (Antunes) depois de viver como titã, com caras, cabelos e performance, explorava a miséria humana, a doença e as famílias. Depois, reconhecendo de antemão a situação decadentemente pop da banda, optou por ser tribalista, enxergando romanticamente os trocadilhos da alma humana. O último show solo dele que eu vi, ele entrou de camisa de forca vermelha.
Também tem Garcia Márquez. Faz parte de um estilo literário chamado realismo fantástico – de onde se supõe que há vários outros profissionais "realistas". Em seus livros tem uma cidade destruída pelas formigas (ruivas – diga-se de passagem), o suicida que exala cheiro de amêndoas doces e o morto (afogado) mais lindo do mundo.
Dos artistas plásticos, não posso citar porque sou muito ignorante a respeito. Quando vou às exposições de arte moderna, tenho sempre a impressão que exercem a histeria remunerada. Falo apenas dos relógios deslizantes de Picasso, que eu adoro.
Também tem os políticos malucos. Tem Lula, que não sabe de nada do partido do qual foi líder durante anos e pelo qual se reelegeu ao segundo mandato como Presidente da nação a qual pertence a maioria dos siderais. Roberto Jefferson foi outra exibição de loucura muito mais inteligente que suicida. E Fernando Collor, outro presidente de nosso querido país, que é sabidamente louco e aditivado.
No carnaval, meu novo vício foi o maestro Forró da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, que regia de ponta a cabeça*. Quando eu falei que ele era "totalmente surtado", Rosinha me respondeu: "surtado era se fosse a gente. Ele é artista!".
Por falar em carnaval, também teve uma galera que nunca me viu, ao vivo e a cores, e se fantasiaram de mim, com cabelo laranja de guache e tudo mais. E mais, a idéia foi de um tal de Túlio, que faltou no dia do bloco e buscou as camisas para sair na quarta de cinzas, no show do supracitado maestro Forró, com a namorada, e ambos explicavam bonitinho que era uma garrafa, onde morava uma mulher azul de fumaça.
Ai a mãe de uma amiga minha, linda e maravilhosa, que faz de doido sua profissão, explicou: "ser doido é muito mais fácil e mais animado. Difícil é ter juízo".
E a seguir, concluímos que a miséria da alma é que move a arte. Considerando todos os serviços prestados pela loucura à humanidade, é mais do que óbvio concluir que a profissão de psicólogos nunca vai ser bem remunerada. Porque ser maluco profissional, além de ser mais fácil, pagar melhor e dar mais ibope, ainda se tem a possibilidade de, a depender do impacto da loucura, entrar para a história.