terça-feira, novembro 14, 2006

IMPOSSIVEL QUERER – 13/11/2006
Por: Hermegarda Batista

O mundo dos desejos é realmente misterioso.

Quando eu era criança, minha mãe tinha um livro na estante: "o que quer uma mulher?". E eu, uma mulher em formação, olhava para ele como um farol... até que eu descobri que nada ia responder a minha pergunta.

As mulheres não entendem os desejos dos homens, que por sua vez, não entendem os das mulheres. Este "não entender" é expressão da nossa humanidade: a eterna duvida de ser.

Vejo todo mundo se perguntar o que quer. E muitas vezes o desejo é apenas perpetuar o desejo, como com o ciúme - aumentar o desejo no outro.

Outra estratégia é escolher o mais difícil, e vai aumentando na escala: indisponível, ausente, impossível, no passado ou no futuro. Escolhas perdidas, não feitas, escolhas pela metade.

Ou então, aquilo que não quisemos. Decidida e firmemente rejeitamos. E de repente, não está mais disponível: ah... passa a ser misteriosamente imprescindível.

E as escolhas? As encruzilhadas das escolhas são dolorosamente instigantes...

Escolher é um eterno abdicar de uma opção em função de outra. Ou outras. Porque vivemos na ilusão que antes de escolher, usufruíamos de tudo.

Tem gente que acha que o mais difícil em escolher é o futuro e suas surpresas. Ou o outro e seus misteriosos quereres. Ou o sacrifício da onipotência, se admitindo que não pode tudo. Ou a indecisão.

Ou simplesmente a humanidade, que se deleita mesmo em perpetuar o desejo, quer seja mutável, ilícito, impossível, generalizado, passado ou futuro, ou simplesmente acordar de manhã cedo e tomar um café...

O QUERERES
(Caetano Veloso)

"Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão"

DINHEIRO EM BRANCO – 13/11/2006
Por: Virgulina da Conceição

Esse povo aqui do Ri de Janero tem uns palavriado isquisito mermo. Mai
o pió mermo é esses custume muderno. Duns tempo pra cá, eu teim mermo
achado que Hermezita é ansim, uma qualidade de anjo que cuida de mim
nesse mundo.

Apoi aqui nada é cuma é. Arrepare só: teim uma moça por nome de
Fravinha. Mas os pessoal só chama ela de Baiana. Vassuncê num sabe mai
ela num é nascida na Bahia. Nem ô meno criada... ela é de um lugá
chamado Brasíia. Brasíia é uma cidade que os povo fazero no oco do
Brasi. Hermezita me expilicou.

O Brasi, que é muncho maiô de grande, é pra tê um coroné, que manda
nos otro coroné tudim, qui dii presidente. Teve inté agora eleição, os
povo tudim isculhendo... Apoi um coroné desses era chamado Jucelino
Cu-de-cheque. Na minha terra, uma pessoa num pode tê nome-fei,
desrespeitoso, no nome de batismo não. Mai sabe como é essa mudernage.
Logo o nome de famía do cabra era cu-de-cheque.

Cheque é acuma um diêro em branco. A pessoa chega na venda, diz conte
qué que seja, iscrivinha o tanto, assina o nome pro baixo e pronto.
Ele vale. Teim esse e tem o tar do cartão. A pissoa abasta sabê os
numero. Num precisa nem sabê assiná o nome.

Mai é que toda veiz, a pissoa dii e paga, e ai, o tar do banco vai lá
e dá o diêro. Começaro essa moda pru causo do tanto de gaturno que tem
pru aqui. Gaturno de trabuco, cad´um trabucão que só vendo. Ontonce a
pissoa num vê nem a cor do diêro e vai só na gastança. Conde vê tá
devendo inté as calça.



Mai termina que dá pa compra tudo. Avalie conte do diêro o tar
Jucelino num tinha... era de tanto que arresorveu fazê uma cidade no
oco do mundo, inchê de gente... acho que esse de verdade alimpava a
bunda com diêro. Pelo nome, né...

1 – gaturno: ladrão
2 – trabuco: arma de fogo

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IDIO MATERNO - visita ao museu da lingua portuguesa - lugar praticamente insaivel! – 10/11/2006

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura
Guimarães Rosa
A vida, Senhor Visconde, é um pisca – pisca.
A gente nasce,isto é,começa a piscar.
Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso.
É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais....
A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama ;
pisca e anda ;
pisca e brinca ;
pisca e estuda ;
pisca e ama ;
pisca e cria filhos ;
pisca e geme os reumatismos ;
por fim pisca pela última vez e morre.
-E depois que morre – perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?

(Monteiro Lobato, Memórias da Emília, 1936)

(visita ao museu da língua portuguesa)

"O povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba, pode falar uma língua com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pêra, o damasco e a nêspera?" (José de Alencar) O SEU SANTO NOME

Carlos Drummond de Andrade

Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie

BIANAL: ARTE MODERNA. MODERNA QUANTO? – 31/10/2006

Primeiro fim de semana em São Paulo, eu fui na Bienal. Tive a mesma sensação que tenho sempre que vejo este tipo de arte: um vídeo de um gato comendo um rato, uns "legos" gigantes amontoados, fotos rabiscadas... Uma vã tentativa de situar o visitante no pensamento supostamente artístico do autor.

Do meu ponto de vista, nordestino, tradicional, cerca de 80% era algo de mensagem ininteligível. O problema então era eu, pensei. É minha concepção retrograda ou insensível da arte.

Comecei então a olhar as pessoas: no começo, todas com cara de conteúdo. E depois, vasculhando em si algo sensível para apreciar aquela arte. E depois, rindo. E no último andar onde tinha uns vídeos numas salas escuras, tinham alguns casais namorando.

E então, comecei a fazer uma retrospectiva de minha própria visão de arte.

Um dia, o homem precisou avisar que ia caçar a alguém que não estava. E deixou pintado uma gravura na parede da caverna. Estes foram os primórdios artísticos da linguagem. A necessidade de se comunicar, passar mensagens e expressar sentimentos deu origem aos mais variados tipos de linguagem que nós utilizamos: palavras, imagens, sinais de fumaça, expressões faciais. E assim a arte foi acompanhando a tendência do ser humano.

O período helenístico valorizava o ser humano e as formas, traduzindo os conflitos pelas histórias mitológicas. Na idade média, a temática religiosa e a guerra eram sempre presentes. Depois veio o homem barroco em conflito entre sacro e profano no barroco.

E assim a arte ia exercendo seu papel linguagem.

Outro dia, Sblen falou que a fotografia teve um impacto grande nas artes plásticas porque nada era mais preciso que a foto. E ao mesmo tempo, o homem que se modernizada, buscava exprimir a sua abstração, seus questionamentos filosóficos. Propuseram uma arte desconstruída, com o impressionismo, o cubismo, etc. O modernismo, a princípio, tinha uma proposta quase xenófoba de voltar os olhares para nossa cultura: chega de importar e chega de se importar. Três fases de modernismos. Era uma mensagem contundente e irreverente. Pelo menos no começo.

Voltei meu pensamento à bienal e me veio à mente o binômio do próprio nome: bienal. Sentia a arte digital. Plastificada.

Algumas eram até interessante se não fosse o excesso de informações: os pratos por exemplo. Tinham uns 4 pratos interessantes. Mas a "arte" tinha mais de 500. Fiquei imaginando o que aqueles "artistas" queriam expressar... qual é a mensagem? Qual é a linguagem? Qual é a proposta? Qual é o estilo? Que raio de estilo é aquele?

Mas isso é apenas o reflexo de nossa realidade. Vivemos num mundo onde ao bebê já nasce ganhando brinquedos com excesso de informação: muitas luzes, barulhos, e poucas texturas. As crianças tem dores por não brincarem mais além do deus computador. As comidas têm um cheiro uniforme e engordurado ou extremamente adocicado.
Arte plástica exige tato, texturas. Exige discernir entre os cheiros, tons e nuances dos sabores. Sentir é uma tênue fronteira entre as crenças e a realidade, entre a fascinação e a verdade, entre as fantasias e os fatos.

Como expressar isso na bienal? Aquilo me parece muito mais uma histeria subsidiada.

Virgulina: do Cangaço para o Espaço (Sideral) – 30/09/2006
Descoberta: Seblen Mantovani (Sblen)
Cobertura jornalística: Hermengarda Batista

Já dizia Shakespear, "há mais mistérios entre o céu e a terra do que a nossa vã filosofia". Certos mistérios acontecem, e enquanto uns são explicados posteriormente pelo avanço científico, outros simplesmente obedecem as leis da natureza.

Neste contexto, podemos citar o surgimento, praticamente um brotamento, de Virgulina, adiante dos olhos de Seblen Mantovani, nosso sideral Sblen:

Sblen: "ae, mané, tava chegando no mó platozinho, ae maluco, foi só me solteirar¹. Quando olhei assim, mó figuraça, toda montada, mó peixeirão, ae, valente pra caralho. Deu medo... no meio da fenda do pão de açucar, a mulher que era quase uma aparição!"

O meio científico da colônia está promovendo vários foruns a respeito da origem de nossa nova integrante. No entanto, a ufóloga, doutora em ciências ocultas, que de tão oculta prefere ficar anônima, é taxativa em relação ao rapto de humanos por seres extra-terrenos intergaláticos. E estes humanos raptados seriam estudados, e posteriormente devolvidos, sem a mínima lembrança do evento. O problema é que o "posteriormente" é bem posteriormente mesmo.

O correio sideral entrevista, de primeira mão, nossa nova integrante:

Virgulina: " a minha graça é Virgulina. Virgulina Ferreira da Conceição, pro causo do meu padrinho, capitão Virgulino. Apoi eu nem seio ao certo acuma foi, num sabe, essa menina? Eu tava intocada, né. Derna² qu´eu me alembro, eu tava na pirsiguição dos macaco, de tocaia. Conde io entrei numa loca³, loca essa que foi dá lá, lá naquelas altura de preda.

Conde eu dei fé, chegou o tira côco sem vara... sujeitim inxirido, dizendo pro arto, que tava sorterado. Oxe... e io apreguntei nada!? O caba já vai gritando qu´é sorteiro... mai loguin ele viu qu´eu num gosto de inxirimento cum eu. Caboco muncho istranho, ví? Tem nome de sino: Sbrein. Arrepare só se isso é nome de gente? O cabra num é nem ao meno vigário... nem coroinha que fosse... nome de sino, mô fíi...

Mai aqui tem muicha coisa isquisita mermo. Cuns palavriado isquisito, cage num se intende nadica de nada. E o mais pior de tudo: o cabra vinha vindo dependurado num mói de corda azul. Cuns nogócio nos quarto. Ispiei ansim: eu só havera de pensar qu´ele tava mermo era fugindo dos macaco. E pro sinár, muncho bem fugido. Mai não, essa menina.

Repare só se isso num é coisa de leleu: o caba fai isso pro gosto. Na farta do que fazer, o caba, no lugá de fazer um ofício, fazer um móve, arrumá um de cumê, o caba assobe nas preda... cad´um predão que só vendo. Dixe a mim, tomem num sei se era pra se pabular 5, que já subiu tudim ali do derredor...

Pr´arribar, mo fíi, dali de riba, foi um trimilique. Num queira nem saber. Mai adispoi foi qu´eu vi, apesar do galalau sê meio avuado das idéia, é até um minino bom... de lá de riba io só ispiava uma prantação verdinha com umas coisa ansim, acuma se fosse umas barra, uns babado, branco. Apoi o magrelo dixe: é áiga. Apoi arrepare só: prantação de áiga... de premero, io matutei: é nada. O bichin tá mangando d´eu. Mai num é que era mermo... áiga salobra acuma eu nunca vi. Num tem quem num beba...

Esse pensamento de pranta áiga é até muncho bom. Mai o cabra vai e instrui4 : pranta áiga salobra. Dixe qu´eu tô num lugá chamado Ri de janero, muncho longe. E io nem seio ainda acuma eu vim pará aqui..."

1- solteirado: ancorar-se no grampo da escalada com a fita solteira.
2 - derna: derivação linguística regional, que significa "desde"
3 – loca: pequena caverna de pedra
4 – instruir: estragar, desperdiçar
5 - pabular – contar vantagem

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