meu vilao quer morrer
Conforme o combinado, estou enviando um protesto de anjo para vilão – com cópia para toda a comunidade sideral. Porque o meu vilão, apesar de ser vilão, é uma das pessoas que mais amo na vida!
MEU VILAO QUER MORRER
Existem vários tipos de vilão. Vilões que querem ficar ricos, vilões que querem dominar o mundo, que querem matar alguém, que querem matar quase todo mundo, que querem escravizar a raça humana. Todo tipo de vilão já se viu na vida.
Mas o vilão que trouxeram para mim, no dia 19 de janeiro de 1996, era totalmente irregular. Nunca tinha visto um show na vida: e foi para o grande encontro. Morava numa vila de pescadores, com uma cachorra (fila) e trabalhava com filosofia da educação.
Mas este vilão, inexorável, só queria mesmo "tirar minha cabeça da caixa". E assim, me fazer enxergar um mundo paralelo, mais mágico, com menos certezas, mais fluido. Ou mais fumaça... por falar em fumaça, foi ele quem deu a luz à Hermengarda, mesmo sendo homem – explicações cósmicas. E portanto, é seu pai – por mérito.
Neste mundo, a gente podia ir para Olinda tomar banho de chuva mesmo sendo adulto. E voltava morrendo de rir, ninguém sabe de quê. Sentados na grade da janela, olhando a igreja de São Bento ao longe, a gente discutia das instituições à figura do pai.
A princípio, eu achava muitas das idéias dele totalmente surreais, inconcebíveis. Aos poucos, à medida que Hermengarda ia crescendo, eu ia começando a ver estas concepções eclodindo naturalmente em mim.
Quando eu reencontrei Vivian, depois de 5 anos, ela sentou no lugar dela, dentro do meu coração. E eu me lembrei do meu vilão. Com ele, eu aprendi que não se desiste das pessoas: "não divide nem subtrai, anjo, só soma!". Mesmo quando elas ou a gente se afasta. Um dia, se volta, e cada um tem o seu lugar.
Outro dia, eu estava triste, e ele me deu um abraço bem apertado: "para esquentar seu coração". Quantas vezes não sentamos na calçada para discutir as emoções que nos despertara Gabriel (Garcia Márquez)... Ou a aplicação de Descartes na vida operacional da gente.
Já teve jantar com nuggets, biscoito de leite e café amargo. E o dia que entramos, desprevenidos, na igreja de São Pedro no meio da novena, e as carolas deram a mão a ele. Eu me sai de fininho e fiquei morrendo de rir da porta, olhando a cara dele de vilão, ajoelhado de mãos dadas, no meio da roda.
E também tinha os shows em cima do muro da misericórdia, para Recife inteiro, totalmente alheio ao "espetáculo". E ele brigava comigo, que eu desafinava. Mas quando ele canta, a neta dele chora. E depois, a gente catava lírios pelas ruas.
Sem ele eu nunca teria subido no arco da igreja de Nazaré. Nem na pia de batismo. Nem feito trilhas à noite com o violão embaixo do braço. Só ele para me levar na praia de areia colorida. E achar um mangue no meio do caminho de Igarassu, quando íamos conhecer as igrejas.
Eita vilão para gostar de igreja...
Todo mundo conhece meu vilão. Até mamãe (comadre dele, pelo batismo de uma orquídea) o chama de vilão. Teimoso, malcriado, reclamão, totalmente irresponsável com a saúde, irreverente, criando palavras e histórias para definir as situações muito habituais.
Teve um dia que eu cheguei na casa dele, e ele vestia um moletom, um roupão, meias e havaianas e um chapéu. E sempre com um cigarro da boca. Acontece que este cigarro é o grande amor da vida do meu vilão – apesar dele negar, peremptoriamente.
É lamentável, mas a fumaça que ele mais gosta não é a azul. E agora ele tem um câncer, que depende dele parar de fumar. E ele nega. Nem Letícia (a neta), nem os meninos, nem os 12 irmãos, nem ninguém merece mais do vilão do que o cigarro.
Acha que a vida já deu o que tinha que dar e que está preparado para morrer. E eu, do alto do meu saber de mundo, me pergunto: quem já viu vilão querendo morrer? Nem vilão de novela mexicana quer morrer! Ainda mais um vilão totalmente surreal – nunca o SBT ia exibir uma história assim...
Isso é totalmente irregular... além de ser uma decisão totalmente arbitrária, porque eu, que nunca fumei, perdendo meu vilão pro cigarro, metade de mim fica sem pai e a outra metade deixa de ser anjo...
Então solicito a todos os siderais, de todas as religiões, credos, cores, todas as localizações espaciais, que rezem/orem, façam pensamentos positivos, mandingas, ou argumentem (porque todos vocês são bons nisso), entoem mantras, dêem uma esculhambação: façam alguma coisa! Colaborem comigo!
Estou mais uma vez, solicitando aquela mobilização de energias positivas! E ao mesmo tempo dizer a ele e ao nosso mundo paralelo, sideral, que nós vivemos muito mais feliz com ele "no nosso perto", real, e não no imaginário ou na lembrança.
Beijos triplos e coloridos!
- os urubus também assinam!