quarta-feira, setembro 27, 2006

Manhã de sol

por Rodolfo Campos e Silva

Desde que eu tive que assumir as tarefas domésticas, sem dúvida alguma, os maiores desafios vieram da união do ferro e tábua de passar e as camisas amassadas contra mim. Cansado de só ir trabalhar com camisas de malha, hoje acordei cheio de coragem e decidido a enfrentar o desafio de passar uma camisa de botão. Monto toda a parafernalha e começo a tarefa.

Por ironia eu acabo escolhendo uma camisa de um tecido desenvolvido pela Nasa que se recusa, mesmo frente a todos os meus esforços, a ficar liso. Eu estava, porém, resignado e não esmoreci. Estava disposto de demorar o tempo que fosse necessário, mesmo que meus mantimentos e água acabassem. E demorou.

Demorou tanto que durante o processo a campainha tocou 3 vezes e o telefone 2. Estava cada vez mais atrasado para o trabalho mas continuava firme. Finalmente, depois de muito esforço, eu termino a tarefa. Visto a camisa e saio correndo de casa.

Coloco o pé na rua, respiro fundo com o peito cheio de orgulhe e abaixo a cabeça pra admirar meu trabalho à luz do sol pra, só então, perceber como há diferença entre olhar uma camisa dentro de um quarto com as janelas fechadas pra olhar à luz do Sol.

Nessa hora eu percebi que a camisa devia estar mais lisa quando estava contorcida dentro do cesto de roupa do que agora que estava em meu corpo. Nessa hora eu, perante o sol que me iluminava, fiz um juramento de renunciar definitivamente a passar qualquer camisa de botão pelo resto de minha vida.

Meu impulso inicial foi voltar para casa pra trocar de roupa mas já estava muito atrasado. Resolvi conferir as horas só pra perceber que, na pressa, tinha esquecido o celular. Meu ônibus já estava passando e, naquela hora, resolvi enfrentar o mundo (ou pelo menos aquele dia) com uma camisa que parecia ter sido roubada de um mendigo desleixado e sem aquele aparelhinho gerador de tantas ansiedades mas do qual a gente não consegue se livrar mais na sociedade moderna.

Entro no ônibus e fico na dúvida entre sentar normalmente em um assento como se minha roupa estivesse dentro dos padrões ou se abro minha mochila e coloco minha cara dentro pra ninguém me reconhecer. Opto pela segunda alternativa. Chegando no meu ponto desço do ônibus e, ao passar em frente às Lojas Americanas, tenho a idéia de entrar pra comprar uma camiseta.

Entro, escolho uma camiseta baratinha e me dirijo para o caixa. Já chegando perto da escada rolante ouço um grito de desespero e terror vindo da sua direção. De onde eu estava não dava pra ver nada além de várias pessoas olhando para aquele lado. Pronto, alguém perdeu algum membro na escada rolante e o sangue já vai começar a escorrer em forma de cachoeira.

Paro por um átomo de segundo, receoso de encarar a cena terrível pra, então, perceber que o grito veio de um aparelho de televisão que exibia a Era do Gelo 2. Nessa hora eu dou meia volta e me dirijo para a sessão de chocolates sabendo que estava precisando urgentemente de 200ml de seratonina. Eram ainda 9 da manhã.

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