quinta-feira, setembro 28, 2006

INTOXICADOS DE REALIDADE
por: Hermengarda Batista

"Este caminho que eu mesmo escolhi é tão fácil seguir por não ter onde ir" (Raul Seixas)
Na minha rua, mora uma "comunidade" de mendigos. Todos os dias, realizam todas as atividades diárias, à expectação do público. Tem uma família, uma mulher grávida, o pai "de agora", dois filhos, e mais um gestando. E na outra esquina, moram 3 homens. Inclusive um deles, nos dias de chuva, monta uma barraca de "camping". E todos criam cachorros. Inclusive o menininho mais velho tem um filhotinho preto. Todos com suas respectivas coleiras.
Então outro dia destes, vendo a comunidade canina aumentar, fiquei pensando: o que leva um mendigo a criar um cachorro amarrado na coleira?

A globalização muda os valores e massifica o sujeito. A individualidade passa a ser uma tela, onde se projetam valores e identidades mercantilizadas, vendidas como sendo próprias ou adequadas. A geração televisiva tem uma relação diferente com o mundo e com os sonhos, com o tempo, com o descartável. A intimidade com a tela muitas vezes é maior do que com a própria família.
Mas naquela "comunidade" não tem nenhuma tela: TV ou computador, ou qualquer outra manifestação de projeção de uma realidade virtual. Mas isso já está impregnado... Diariamente eu assisti antes de acreditar que aquela realidade, praticamente cinematográfica, não era uma projeção de minha fantasia.

Lembrei de uma conversa com um amigo, falando em seu pai: ganhava "x", e trabalhava "x", e com este "x", tinha uma casa própria e uma casa de praia, criou 5 filhos, tinha dois carros, numa época em que as pessoas não costumavam ter carro, e ele estudou em colégio público, porque eram melhor que os "privados".

E hoje, ele ganhava "x/2" para trabalhar "2x". E que eu ganharia "x/4" para trabalhar "4x", e quando eu pedisse demissão, pelas condições de trabalho ou pelo salário, teria uma fila, fazendo fila para trabalhar "8x" por "x/8".

Então eu me vejo, trabalhando em condições "privadas", ganhando mal como todo mundo, para me organizar e começar a pagar um carro "mil" em 36 prestações e um apartamento de um quarto em 60 prestações.

Eu sempre escutei que ideologia não enche barriga de ninguém. Mas entendo que este tipo de realidade esvazia progressivamente o prato. Quantos "cachorros de mendigo" temos criado?

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