quinta-feira, setembro 28, 2006

CAMINHOS E DESEJOS - 31/03/2006


O desejo é uma lente colorida pela qual se rever a vida. É a mola propulsora do mundo. Através deles, se constrói pontes onde antes se achava intransponível, se cria soluções para o insolúvel e ultrapassa obstáculos. O desejo é transforma um ser num sujeito.

A perseguição dos desejos é mãe das grandes invenções e descobertas e âncora das grandes estagnações. Há muitas qualidades de desejos: os que emanam da essência mais íntima, os que herdamos da história, os que incorporamos do meio, uns polimórficos, outros monotemáticos. E assim, o homem é aquilo que deseja.

Alexandre, o Grande, rei da antiga Macedônia, desejou morrer cedo e coberto de glória. E concluiu que nossa maior solidão é quando estamos sós com nossos mitos e tabus.

Hoje, pensando nos desejos e seus frutos, me deparo com o cartaz de convocação: "greve dos residentes por aumento de salário". Eu, particularmente, costumo declarar aos quatro ventos, que o residente é o médico mais barato: faz concurso público para ganhar 1.400 contos, para trabalhar em torno de 60 horas semanais (freqüentemente mais), incluindo de 12 a 24 horas de plantão, para trabalhar por si mesmo e pelos preceptores, e na maoria das vezes, tem a supervisão do acaso e reza pela proteção dos céus. Além disso, quem paga é o MEC.

Suprimo as demais considerações, já por tantas vezes expostas das condições de trabalho da saúde no Brasil e do processo de mercantilização da medicina, atualmente até abrindo "lojas" em shoppings. Mas não posso deixar de me lembrar da paralisação da qual fiz parte na minha primeira residência por "melhores condições de trabalho", onde nosso silêncio e nossa dignidade foram pagos com 200 reais. Pelo menos, desta vez, apesar das "condições" não mudarem nada, estão sendo mais explícitos.

Acredito que a desvalorização do salário é estandarte de uma desvalorização profissional. No entanto, quando os dados da OMS relatam que são gastos 8 bilhões com educação, 13 bilhões com saúde, e, paralelamente, 200 bilhões com narcóticos e 400 bilhões com "intervenções militares", há um clamor pungente em minha alma.

Nossa má remuneração é mais um dos sintomas da desvalorização do indivíduo, que precisa de saúde, educação, formação, segurança e, mais do que tudo, respeito.

Pergunto-me sinceramente qual é a cor da lente dos desejos que estamos usando para ver o mundo?

Lembro do gato do País das Maravilhas, quando Alice perguntava aonde daria aquele caminho: "para onde você quer ir? Porque para quem não sabe onde quer ir, qualquer caminho é o caminho". Complementa o filósofo que não há caminhos: ao caminhar, estes são feitos. Pergunto-me: aonde estamos indo? Dá-me a impressão de estarmos vendo o mundo através de um buraco de fechadura...

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